Os recentes episódios à volta da nomeação do representante português para o Eurojust (European Union’s Judicial Cooperation Unit), órgão de cooperação judicial na União Europeia, transformaram uma indigitação que, em regra, é relativamente pacífica num verdadeiro “caso de polícia” que contribui, mais uma vez, para mostrar como a nossa justiça, e em particular as magistraturas, continuam envoltas em lutas umbiguistas.
A procuradora-geral da República propôs ao Governo três nomes (Helena Fazenda, Luís Silva Pereira e António Cluny). O primeiro nome foi recentemente nomeado para secretária-geral da Segurança Interna, por proposta dos ministro de Administração Interna e da Justiça. O último nome, António Cluny, foi proposto pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Justiça. Em ambas as nomeações foinecessário proceder à auscultação do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Se Helena Fazenda foi aprovada por larga maioria de votos dos presentes, a nomeação de António Cluny foi vetada por uma pequena minoria, face ao grande número de abstenções (três votos contra, dois votos a favor e oito abstenções). Ou seja, na sessão do CSMP do dia 15 de julho estiveram presentes 13 dos 19 membros com assento neste órgão.
Que razões estarão no veto de um ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e atual presidente da MEDEL (Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades — associação que integra associações de juízes e magistrados do Ministério Público de vários países europeus)? Não havendo um veto político, devido à escolha do Governo, resta analisar a questão através de um olhar interno, ou seja, pelas possíveis razões que levaram o CSMP a vetar António Cluny, mesmo sabendo que apenas o podem fazer caso haja algum impedimento legal. A conjugação de diversas rivalidades pode estar na base de tal decisão.
Em primeiro lugar, uma reação corporativa dos membros detentores de cargos superiores. Com a exceção da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, a quem coube a inclusão do nome na proposta feita ao Governo, podemos ter assistido a uma reação de quem, em tempos, foi visado pela ação sindical e voz crítica liderada por António Cluny.
Em segundo lugar, a reação de quem não aceita a recente diminuição de poderes do CSMP no que respeita à nomeação para determinados cargos, com a alteração da lei no final do ano passado, que gerou bastante polémica.
Em terceiro lugar, dos “representantes” do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, para quem esta escolha, e não outra, coloca em causa a sua “esperada” influência junto da procuradora-geral da República.
Qualquer que seja a combinação de razões que esteve na base do veto, o resultado foi só um: o reforço da imagem negativa do Ministério Público!
Relativizando a questão da legalidade da decisão, que não deixa de ser importante, torna-se mais preocupante a existência de um ambiente fratricida nas cúpulas do Ministério Público que se julgava superado, ou pelo menos atenuado, com a nomeação de Joana Marques Vidal para procuradora-geral da República. É agora evidente que a imagem de pacificação tinha uma cobertura frágil.
Numa fase em que Portugal precisa de um Ministério Público forte, consistente e virado para os problemas que enfrenta externamente, eis que trespassa uma perturbação interna que o fragiliza e limita a sua capacidade de ação. Se o Ministério Público não consegue arrumar a sua própria casa, como vamos confiar que consigam atuar corajosamente nos casos graves que pululam nos tribunais portugueses?