É uma premência colocar as questões do trabalho em relevo na agenda política, por diversas razões: i) o trabalho e o emprego são centrais na vida das pessoas e da sociedade; ii) as políticas seguidas pelo atual governo e pela UE têm reduzido fortemente os salários, diretos e indiretos, dos trabalhadores portugueses, transferindo uma grande fatia do rendimento que lhes pertencia para o fator capital; iii) a contratação coletiva – principal instrumento de políticas para uma mais justa distribuição da riqueza à escala mundial desde o fim da II Guerra Mundial, e em Portugal após o 25 de Abril de 1974 – está a ser anulada e eliminada; iv) o povo português jamais terá um Estado Social de Direito Democrático se o trabalho continuar a ser tratado apenas como custo e se não forem salvaguardados a dignidade e os direitos de cidadania dos trabalhadores, dentro e fora do espaço de trabalho; v) o combate político exige denúncia dos desastres causados pelas políticas seguidas, afirmação de alternativas credíveis e estas só o serão se ressituarem o lugar e o valor do trabalho como elementos fundamentais de políticas de emprego e da política económica.
Comparando o poder de compra da remuneração líquida dos trabalhadores da Administração Pública de 2014 com o que tinham em 2010, observa-se que estes trabalhadores tiveram, neste período, uma perda de cerca de 20%. Calculando os impactos das alterações à legislação laboral e de cortes em direitos no trabalho impostos pelo atual governo e, simultaneamente, observando a evolução da distribuição da riqueza no plano geral, constata-se que em 2013 o fator trabalho tem menos 3 mil milhões de euros por ano do que tinha em 2010, valor que se transferiu para o fator capital.
Esta transferência tornou os trabalhadores mais pobres, provocou desemprego, destruiu milhares de pequenas e médias empresas e atividades, mas propiciou (apesar de se dizer que a crise é para todos) um significativo aumento do “excedente de exploração”, ou seja, enriqueceu os acionistas de grandes grupos. E onde estará esse dinheiro? Não foi aplicado na criação de emprego e provavelmente, em grande parte, voou para paraísos fiscais e novas operações especulativas.
Os mesmos governantes, políticos e palradores que nos dizem ser imperioso reduzir salários, pensões e direitos sociais fundamentais, continuam a negar o fracasso absoluto destas políticas, ao mesmo tempo que condescendem e protegem, de forma mais ou menos direta, os roubos, os negócios escuros e promíscuos presentes em “gestões competentes” de BPN, BCP e BES, em algumas grandes nacionalizações, em PPP, swaps, consultorias desnecessárias e outras atividades suspeitas.
Há que desmascarar a hipocrisia e a ausência de verdade. Os países desenvolvem-se com a valorização do trabalho. É inadmissível o prosseguimento do massacre sobre os trabalhadores com contínuas revisões destrutivas da legislação laboral, com a generalização da precariedade, com o ataque à contratação coletiva, feito de forma traiçoeira e mentirosa. As medidas adotadas pelo governo em nome da modernização da contratação coletiva produziram efeito oposto. A contratação coletiva está hoje absolutamente paralisada.
Os contratos coletivos de trabalho constituíram um dos elementos mais significativos daquilo a que se chama modernidade política. Se a contratação coletiva for aniquilada, haverá um profundo retrocesso nas relações laborais, mas também nas relações sociais em geral. Ela é uma fonte de equilíbrio de poderes. Por outro lado, tenhamos bem presente que quando há transferência de rendimentos, também se efetiva transferência de poder.
Como recentemente defendeu António Casimiro Ferreira[1], é preciso uma Moratória colocando ponto final a este massacre sobre o trabalho. Esta Moratória deve implicar uma forte atitude de resistência à ofensiva em curso; uma afirmação inequívoca de que a esmagadora maioria das medidas consubstanciaram uma exceção que tem de ser corrigida; um compromisso claro de valorização do trabalho como elemento fundamental de uma política alternativa.
[1] No âmbito do colóquio “A transferência de rendimentos do trabalho para o capital”, 19.6.2014.