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01-06-2014        Público

A voz dos sem voz começa, felizmente, a ser ouvida na definição dos Planos de Desenvolvimento das Nações Unidas.

Qualquer tentativa de resposta implica abordar as várias “Décadas do Desenvolvimento”, representativas da evolução teórico-prática da comunicação nos projetos desenvolvimentistas aplicados nos Países em Vias de Desenvolvimento. Um puzzle que merece ser desmontado...

A Primeira Década do Desenvolvimento (1960) é um período de grande optimismo, caraterizado pelo crescimento económico - através da industrialização (em detrimento da agricultura), da urbanização e da ocidentalização - e pelo investimento intensivo de capital em tecnologia e sua transferência para o Sul. Um processo, à partida simples, designado por “Tendência Pró-Inovação”. Porém, rapidamente se concluiu que as debilidades do Terceiro Mundo eram muito mais profundas e abrangentes do que se supunha: os destinatários não possuíam formação nem informação que lhes permitisse optar de entre um leque infindável de alternativas. Mais, a pressão das metas de desenvolvimento económico, a dimensão e a dispersão do público-alvo implicava campanhas agressivas... pelo que os mass-media eram tidos como essenciais na aceleração do processo de modernização.

No entanto, a resistência das populações a estas mudanças radicais impôs a adopção da “Tendência Pró-Persuasão”, alicerçada numa comunicação indutora, a cargo dos agentes das Nações Unidas, e cujo objectivo já não era a mera transferência de tecnologia, mas sim, a formação técnica dos destinatários no terreno visando influenciá-los rumo à adopção das inovações tecnológicas ocidentais. De referir que a maioria destes “programas de extensão” basearam-se no “Modelo de Difusão de Inovações” de Everett Rogers, considerado o pai da ‘Comunicação para o Desenvolvimento’. Modernização e Desenvolvimento eram praticamente sinónimos.

Pressupunha-se que a adopção de inovações tecnológicas implicava uma evolução automática dos indivíduos: de tradicionais para modernos. Consequência: a modernização desenraizou muitas pessoas e comunidades das suas histórias, culturas, objectivos e ritmos de vida. Daí o falhanço do paradigma desenvolvimentista suprareferido que ignorava a essência e a compatibilidade dos materiais de comunicação.

A década de 1970 ficou marcada pelo aparecimento formal do termo ‘Comunicação para o Desenvolvimento’ (Nora Quebral, 1972) e, em consequência do processo de independência de dezenas de nações africanas e asiáticas, exigia-se uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC) que almejava: distribuição internacional equitativa dos recursos de comunicação, media comunitários em áreas rurais, políticas nacionais em prol da preservação da identidade cultural e valorização de formas não comerciais de comunicação e informação.

Visando um “Desenvolvimento Rural Integrado”, em 1973, Robert McNamara, então Presidente do Banco Mundial, propôs a “Política de Novas Orientações", alicerçada numa abordagem conjunta e multidisciplinar dos constrangimentos ao Desenvolvimento e numa mudança de foco: de objectivos económicos para a satisfação das necessidades básicas das populações: comida, água potável, abrigo, educação básica e segurança. Uma reorientação estratégica que permitiu a conceptualização da Comunicação como um alicerce imprescindível aos projectos e actividades desenvolvimentistas, designada por: Comunicação de Suporte ao Desenvolvimento. Um modelo desenvolvimentista também ele falhado. Porquê? A comunicação de massas era entendida como um processo linear de mensagens unidirecionais e impessoais que poucas oportunidades de resposta concedia ao receptor. Supunha-se que a exposição aos media, per si, gerava consciencialização e mudança. O tripé “comunicação, desenvolvimento, empowerment” não era percepcionado como interdependente e impulsionador de progresso.

Infelizmente, a Terceira Década do Desenvolvimento (1980) também não apresentou grandes avanços, caracterizando-se por: 1. Recessão global na maioria dos países industrializados, 2. Sérias dificuldades económicas nos PVD (problemas na balança de pagamentos, dificuldades para liquidar os empréstimos concedidos e drásticas descidas dos preços para exportação), 3. Imposição de Políticas de Ajustamento Estrutural pelas agências doadoras aos países devedores visando reanimar as suas economias paralisadas, 4. Implementação de um modelo económico neo-liberal: redução do papel do Estado, dependência crescente dos mercados e redução significativa dos gastos estatais no sector dos serviços, 5.  Aumento da pobreza entre os carenciados/marginalizados e consequente depredação dos recursos naturais, 6. Crescentes desigualdades de género e diferenças globais ao nível das prioridades femininas, etc. Contudo, é exactamente no âmbito deste cenário desolador que uma comunicacãoo popular/alternativa/libertadora/transformadora/emancipadora e alicerçada no povo como protagonista começou a ganhar algum terreno... muito por mérito do “Relatório MacBride” (UNESCO, 1980) que já enfatizava a importância dos media locais e propunha a resolução de problemas estruturais graves (inexplicavelmente actuais): concentração dos media em grandes grupos económicos, verticalidade do processo comunicacional, comercialização excessiva da informação, desigualdades na circulação da informação proveniente e com destino aos PVD.

Desde meados da década de 1990, temos assistido a uma proposta de desenvolvimento - e consequentemente de ‘Comunicação para o Desenvolvimento’ - orientada para as seguintes premissas: maior preocupação com os direitos e liberdades humanas, reforço das estratégias de empowerment local (de que são exemplo as Rádios Comunitárias), resgate e valorização de experiências e conhecimentos tradicionais, combate à infoexclusão e promoção da educação não formal das populações periféricas. Hoje, a ‘Comunicação para o Desenvolvimento’ remete-nos para um novo paradigma de comunicação e de desenvolvimento sinónimo de conteúdos feitos à medida/centrados nos verdadeiros problemas das pessoas. Finalmente percebeu-se que a natureza de cada intervenção desenvolvimentista deve ser equacionada segundo o contexto geográfico, histórico, cultural, político-partidário, religioso e económico-financeiro de cada país, de cada região, de cada comunidade. A voz dos sem voz começa, felizmente, a ser ouvida na definição dos Planos de Desenvolvimento das Nações Unidas e a isto chama-se: cidadania participativa/inclusiva (o maior trunfo da civilização humana).


 
 
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