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31-05-2014        Jornal de Notícias

Nos “consensos políticos” que marcam a sociedade e o sistema político em que vivemos, existe uma profunda proximidade entre desigualdade e injustiça, resultando daí não haver governante que se atreva a apresentar, publica e assumidamente, políticas que agravem as desigualdades. Todos se afirmam a favor da igualdade e da justiça. Sabemos, no entanto, que os governos (e não só) impõem políticas e medidas concretas, nos planos económico, social ou cultural, que têm como consequência a manutenção e o aprofundamento das desigualdades. E fazem-no dispondo de ampla informação e análise científica, conhecendo de antemão o que resultará dos seus atos.

Portugal mantém, há muito tempo, a condição de um dos países da União Europeia com mais graves indicadores de desigualdade e pobreza. Entre os anos 90 e a primeira década deste século, apesar de a distribuição da riqueza ter sido de acentuada injustiça, propiciando uma brutal vantagem aos muito ricos, observou-se uma mudança positiva em vários indicadores relativos às desigualdades.

Para essa mudança, que propiciou o abaixamento da pobreza, contribuiu um real progresso nos rendimentos das pessoas e das famílias, mais sustentado nas políticas de proteção social e em outras políticas públicas do que nos salários, dado que a desigualdade salarial, em geral, se vem acentuando desde há muito. Na política salarial, a exceção positiva decorreu da valorização do Salário Mínimo Nacional (SMN) no período de 2007 a 2010.

No atual debate político, com vista à formulação de alternativas, tornou-se indispensável colocar em prioridade de agenda a questão das desigualdades, por duas razões fundamentais: i) a sociedade portuguesa está muito marcada pela conceção retrógrada da “inevitabilidade das desigualdades”, o que a coloca passiva face às injustiças e pouco consciente dos impactos das políticas nas áreas cultural e sociocultural ou, até mais especificamente, no que diz respeito à educação, ensino e formação; ii) a análise das desigualdades em ritmo de cruzeiro não nos mostra os impactos de medidas adotadas em tempos recentes. Ora, o governo tem imposto múltiplas que empobrecem e enfraquecem a coesão social e territorial. E tem produzido em catadupa alterações de políticas nos transportes, na energia, na fiscalidade, e, em particular no trabalho, na saúde, na educação e na segurança social que estão, por certo, a tornar a sociedade portuguesa muito mais desigual.

No último Barómetro do Observatório sobre Crises e Alternativas[1], dedicado à Segurança Social, conclui-se que bem “mais do que o envelhecimento da população, ou a subida da pensão média” – em resultado da entrada na reforma de trabalhadores que fizeram longas carreiras contributivas e beneficiaram da melhoria salarial conquistada com o processo democrático decorrente do 25 de Abril de 1974 – “o saldo da Segurança Social tem sido afetado… a) pela redução das contribuições, fruto da diminuição da atividade económica e do emprego… do aumento do desemprego e da intensa desvalorização salarial; b) pelo aumento da despesa com subsídios de desemprego”.

As políticas de austeridade estão a roubar às pessoas parte das pensões a que tinham direito e a destruir o futuro do sistema público e universal da Segurança Social, cavando desigualdades.

Na semana em que se comemoram os 40 anos da instituição do SMN, relembremos que a sua introdução foi seguramente um ato de justiça; provavelmente a medida de maior impacto no combate às desigualdades e à pobreza alguma vez assumida por um governo; um forte impulsionador da contratação coletiva e de políticas laborais emancipadoras; um concretizador de sonhos e do desenvolvimento do país.

É mesmo ignóbil a ofensiva do governo para fragilizar a legislação laboral a coberto de hipotética e mísera atualização do SMN, ainda por cima pretendendo amputar o conceito e quando o nosso salário médio é apenas metade da média europeia e mais baixo que o da Grécia. O combate às desigualdades é mesmo uma das grandes prioridades nacionais.

[1] Acessível em http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt.