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17-05-2014        Jornal de Notícias

Em tempo de eleições, mas também noutros momentos de debate político, é muito comum ouvirmos argumentações - de dirigentes dos partidos que nos têm governado ao longo de quase 40 anos, de formadores de opinião e de vozes dominantes nos grandes meios de Comunicação Social, de empresários e de outros atores do sistema - que procuram restringir o leque das alternativas políticas, às propostas e interpretações do que designam por "arco da governação".

Criou-se e tenta-se perpetuar uma espécie de coutada para o exercício do poder: uma coutada que surge organizada no plano económico, social e cultural. E essa perspetiva de domínio quase absoluto é formulada quer para as políticas nacionais quer para as políticas europeias, quer ainda, para o posicionamento de Portugal no contexto mundial.

Reconhecendo que há diferenças entre as forças do "arco do poder", que uma significativa parte do Partido Socialista não alinha nessa perspetiva e que até à Direita há quem não se deixe fechar na conceção e objetivos desse "arco", chegou a hora de pegarmos nessa apropriação exclusiva das "condições de governação" e colocarmos, de forma clara e concreta, o problema da efetiva responsabilização pela situação em que o país se encontra, pois, essa sim, tem quase exclusividade.

Se formos observar os avanços conseguidos no nosso país nos últimos 40 anos, no desenvolvimento de infraestruturas básicas, de políticas de educação, ensino e formação, de saúde, de proteção social, de afirmação da igualdade, de participação cívica, encontramos, no plano da elaboração de leis e na ação social e política anterior e posterior à sua entrada em vigor, a participação não só de forças do "arco do poder", mas também das forças (partidos, movimento sindical e movimentos sociais, estruturas académicas e de investigação e outras organizações económicas, sociais e culturais) que estiveram fora desse arco, sendo verdade que muitas vezes se avançou por ação destas.

Entretanto, quando se analisa o que correu mal na sociedade portuguesa, nas políticas internas e nos posicionamentos na União Europeia (UE) - desde a secundarização do setor produtivo até aos negócios das swaps ou ao investimento excessivo em cimento armado, à canalização de recursos para setores especulativos e rentistas, à proliferação de compadrio e corrupção, ou ainda, às posições de apoio a desastrosos caminhos trilhados pela UE -, encontra-se o dito arco da governação aberto a interesses poderosos, mas fechado e hostil a todos os outros. Esse arco da governação mais não é, então, do que o arco da responsabilização que tem de ser feita.

Esta "realidade" tem de ser transformada, pois a UE e especificamente Portugal prosseguem a caminhada para o abismo.

Até há dias diziam-nos que tudo corria pelo melhor. A Europa tinha virado a página. O remédio estava a fazer efeito. Era o que ouvíamos e líamos, da Grécia a Portugal, num coro que espantava pela afinação. Mas há dois dias uma estimativa do INE baralhou o cenário: no primeiro trimestre deste ano, depois de alguns trimestres anteriores de crescimento, tomado como efeito milagroso do "ajustamento", o PIB caiu de novo em Portugal. Algo semelhante aconteceu em toda a Zona Euro: apenas 0,2% de crescimento; França estagnada; Itália em recuo; Finlândia em recessão...

Afinal a notícia da cura era um pouco exagerada. Os "mercados", entidade demoníaca em quem inculcaram características humanas, "irritaram-se" de imediato. Os juros da dívida pública subiram, as bolsas agitaram-se. O sinal é claro. Na economia europeia, e ainda mais em Portugal, tudo está preso por arames, dependente, segundo o Governo, de refinaria que encerra para reparações, de linhas de montagem que param alguns dias, ou do calendário de festividades religiosas. E no plano social e político a situação do país continua a ser de enorme gravidade.

Para uma alternativa consistente há diversos bloqueios a vencer à Esquerda mas, no atual quadro político-partidário, a solução impunha a saída do PS do aprisionamento àquela conceção de "arco da governação", sinal que a sua campanha eleitoral não dá.

Com ou sem essa alteração, é imprescindível, e acabará por se construir, um arco de responsabilidade com projeto de futuro.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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