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16-05-2014        Diário de Notícias

A política de salários baixos é um logro enquanto estratégia de competitividade para a economia portuguesa. O nivelamento por baixo alimenta-se a si próprio enquanto houver um "mais baixo" ainda não atingido. Ou seja, em Portugal a política de salários baixos serve para baixar salários e mais nada. Com a agravante de, não resolvendo nada, complicar tudo: reduzir salários reduz a economia, reduz a receita do Estado, reduz o consumo interno, enfim, cria problemas económicos acrescidos. Além dos sociais que nem vale a pena assinalar.

No plano retórico, parece haver consenso em torno desta apreciação. Cavaco Silva, ele próprio, tem repetidamente advertido contra uma tal opção estratégica (embora depois promulgue invariavelmente as leis que vão em sentido contrário...). Se é assim tão óbvio, por que razão então está a política de salários baixos a ser o essencial do ajustamento imposto pela troika e afanosamente aplicado pelo Governo? A resposta é igualmente óbvia: essa é a escolha ideológica e de vingança social que dá suporte à transferência de rendimento do trabalho para o capital que é a marca deste tempo de mudança de regime em Portugal e na Europa.

Os cortes dos salários diretos, a enorme subida da carga fiscal e as escolhas de incidência nela feitas e a redução dos salários indiretos - traduzida em compressão da esfera de direitos ligados à condição laboral e dos direitos sociais e económicos em geral, bem como dos serviços públicos que lhes servem de garantia universal - são apenas as faces mais visíveis dessa escolha ideológica. Mas a linha política de esvaziamento da pressão salarial tem também no combate à contratação coletiva um outro instrumento crucial.

A contratação coletiva, ao acrescentar poder negocial ao lado do trabalho, sempre foi um obstáculo à mais completa satisfação dos interesses do lado do capital. Fruto de um jogo de forças mais equilibrado, os contratos coletivos de trabalho conseguem garantir melhores condições de trabalho e salariais, concretizadas em subsídios de turno, acréscimos de remuneração para trabalhos especialmente pesados ou para trabalho noturno, regimes de férias e de segurança social com direitos dos trabalhadores mais bem defendidos, etc. Por ser assim, para os gestores dos interesses do capital tudo quanto seja configurar a relação laboral como relação com um indivíduo frágil e não com um sindicato forte é sempre evidentemente vantajoso. As mais recentes iniciativas governamentais são claras a este respeito: onde a lei atual estabelece que, quando os contratos coletivos caducam, os trabalhadores por eles abrangidos mantêm a retribuição, o Governo quer que se mantenha apenas a "retribuição base", fazendo cessar todos os complementos remuneratórios incluídos no salário; onde a lei atual estipula um prazo para a caducidade dos contratos coletivos de cinco anos, o Governo avança com um prazo de dois anos; onde a lei atual fixa um lapso de 18 meses de manutenção da aplicação dos contratos coletivos uma vez caducados, o Governo passa o prazo para seis meses; e acrescenta uma previsão legal de conteúdo aberto segundo a qual os contratos coletivos podem ser suspensos em caso de "crise empresarial" desde que isso "seja indispensável para assegurar a viabilidade e a manutenção dos postos de trabalho". Comprimidos de arsénico para curar um envenenamento, claro.

Na fragilização da contratação coletiva, o Governo simboliza a sua visão do direito do trabalho: um empecilho ao mercado que importa afastar. É pois também na valorização da contratação coletiva que se dá força à resistência à descaracterização da democracia constitucional.


 
 
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José Manuel Pureza