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10-05-2014        Jornal de Notícias

A humildade é uma virtude. A predisposição para o sofrimento e a pobreza como inevitabilidades do destino, para a subjugação e a condescendência perante a humilhação, é uma grande fraqueza.

Temos vindo a ser humilhados. É preciso reagir, defender a dignidade e os valores de um povo com história, utilizar todos os meios que possibilitem soluções políticas capazes de evitar sermos espezinhados por longo tempo, como aconteceu no século passado.

O desemprego retira dignidade e liberdade; a responsabilização do desempregado pela sua condição e a eliminação do direito a um subsídio que o proteja, como acontece com a maioria dos desempregados, agride e humilha cada mulher e cada homem que se vê nessa situação.

A perda de proteção social como direito e a existência de reformas de miséria isolam os mais velhos, humilhando-os perante a família e a sociedade.

A substituição de direitos sociais fundamentais – que num Estado Social Democrático de Direito pertencem aos cidadãos – por políticas assistencialistas e de mera sobrevivência humilha, despe as pessoas da sua dignidade.

A brutal redução de salários e de rendimentos, que já coloca ¼ das famílias sem capacidade para cumprir as obrigações financeiras, atrofia vidas, humilha, mata a liberdade.

A emigração forçada de centenas de milhares de portugueses em idade ativa, em particular jovens com significativas qualificações, rompe relações entre gerações e incapacita o país.

Falsas promessas, práticas governativas carregadas de injustiças, promiscuidades e compadrios, mentiras constantes dos nossos governantes não apenas nos ferem, como criam em outros povos a ideia de que os portugueses se sujeitam a tudo, que podem ser maltratados e que convivem bem com a corrupção.

Com a colaboração do governo e de alguns instalados no poder, desenvolveu-se em vários países da União Europeia (UE) a falsa ideia de que a generalidade dos portugueses andou a gastar acima das suas possibilidades, trabalha pouco, é malandra e, logo, merece ser castigada com mais e mais austeridade. Propositadamente o governo promoveu, no plano nacional e europeu, o empobrecimento como valor.

Assistimos a uma campanha avassaladora em torno do “êxito” da aplicação do Memorando da troica e das políticas impostas em seu nome, quando o país está mais debilitado do que nunca. Repete-se que vamos ficar de “mãos livres porque a troica se vai embora”, quando as medidas de “acompanhamento”, de controlo e imposições externas se vislumbram ainda mais intensas.

Portugal “sai” de forma “limpa” do Programa tão-somente porque a UE não tem, nem quer ter, nenhuma outra solução mais protetora, porque instituiu uma desconfiança humilhante sobre o país e porque no contexto atual de eleições europeias quer provar, a todo o custo, que as políticas de austeridade são o caminho e os povos têm de se sujeitar.

Passos Coelho e Paulo Portas, no mesmo momento em que anunciam agravamento de impostos e reduções de salários e pensões, são capazes de dizer que se iniciou a sua “recuperação”.

Por aquilo que se conhece a partir do Documento de Estratégia Orçamental (DEO); das medidas anunciadas por Portas sobre o que provocatoriamente chama “reforma do Estado”; o que cheira da carta entregue ao FMI e das intenções do governo para destruir definitivamente a negociação coletiva e reduzir salários, está claro que o espezinhamento dos valores da democracia, das liberdades e da dignidade dos portugueses está em marcha.

O controlo orçamental por parte da UE/troica passará do “acompanhamento” do quadro geral do Orçamento do Estado para uma absoluta definição e imposição de políticas nas mais diversas rubricas, eliminando às nossas instituições a possibilidade de, com autonomia, estabelecerem políticas públicas que cumpram os direitos e interesses dos portugueses definidos pela Constituição da República.

A cereja em cima do bolo, neste processo de humilhação do nosso país, é o anúncio de um fórum do Banco Central Europeu, para 25 de maio, dia das eleições europeias, em que estarão presentes Durão Barroso e a presidente do FMI.

Eles tomam Portugal como o capacho que podem pisar e ondem podem limpar as botas. Não nos deixamos humilhar mais!


 
 
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Manuel Carvalho da Silva