O governo PSD/CDS nunca teve no cerne da sua estratégia o objetivo de interpretar e servir os interesses da generalidade dos portugueses. As suas propostas chegaram agora a um patamar de vazio absoluto. Talvez a expressão mais generosa das suas políticas, no que se refere a receitas de solidariedade, de justiça e proteção social destinadas aos trabalhadores, reformados e suas famílias, se possa resumir assim: roubar “pouco” a quase todos, escondendo os destinatários do roubo.
As afirmações do 1.º Ministro e de muitos outros membros do governo relativamente ao Documento de Estratégia Orçamental (DEO) mostram-nos um programa de governação assente em promessas, mentiras e roubos. Mas um governo com enorme eficácia em 4 aspetos: i) criatividade na manipulação semântica, jogando com as palavras para obter significados opostos às práticas; ii) atribuição aos “mercados” de sentimentos e caraterísticas humanas – os mercados que se irritam, que estão incomodados, que não compreendem – enquanto desumaniza e transforma os portugueses em meros peões manipulados para servir os objetivos orçamentais ou para “emagrecer” o Estado; iii) comportamento exemplar como governo de um país ocupado, isto é, que trai politicamente os verdadeiros interesses do país e do povo, servindo os credores e agiotas; iv) capacidade de recolocar Portugal, de forma humilhante, como país que faz da “pobreza e honradez” a sua marca distintiva.
O que vamos observando no plano nacional e europeu mostra-nos a necessidade imperiosa de uma revolta consciente e consequente. Precisamos de forte manifestação de indignação, de denúncia das injustiças e humilhações, feita sem desespero e com a serenidade necessária, porque é sempre possível abrir caminhos para o futuro, e sacudindo a submissão às “regras da educação” de quem nos espezinha.
Na ação e propostas a fazer, impõe-se acutilância e identificação de compromissos novos. Exige-se um quadro institucional e político radicalmente reformulado no plano europeu e nacional; assumir como crítico e urgente o problema da dívida por forma a haver investimento e criação de emprego; uma política económica que requalifique o sistema produtivo; um compromisso com o trabalho, o direito do trabalho e a justiça laboral; reconhecer ao Estado a condição de ator essencial; reconstituição dos serviços públicos sociais e combate às desigualdades e exclusão social; reafirmação da centralidade da ordem constitucional e dos princípios do Estado Social de Direito[1].
As palavras honestas e duras fazem parte das armas de quem se quer libertar. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora diz-nos que promessas têm de ser “compromissos”; mentira é “afirmação contrária à verdade”, mesmo quando é “piedosa” e dita “com a intenção de fazer bem a alguém”, como nos discursos da Ministra das Finanças e do Ministro da Segurança Social sobre o DEO; roubo também pode ser “subtração ou imposição de entrega de coisa móvel alheia com legítima intenção de apropriação cometida com violência ou ameaça”. É tudo isto que o governo vem fazendo.
A troica e o governo mantiveram as políticas desastrosas que vinham do passado, empobreceram-nos e incapacitaram o país, aumentaram a dívida, destruíram empregos, agravaram o desemprego, forçaram a emigração, fizeram regredir as condições de vida dos portugueses. Agora, calculando-se o impacto das políticas que estão por eles delineadas (DEO e 12.ª avaliação), chega-se à conclusão que os sacríficos apontados, em impostos e cortes, para o período de 2015 a 2018, são de volume idêntico aos que sofremos entre 2011 e 2014.
O anúncio da disponibilidade para aumentar o SMN não passa de isco numa campanha ignóbil que visa, nomeadamente, fazer passar um plano de destruição total da contratação coletiva. O aumento do SMN é apenas uma miragem, mas já está a ser reduzido pelo aumento da TSU e do IVA. E desvalorizar-se-á aceleradamente se não houver contratação coletiva.
Não pode valer tudo. É preciso revoltarmo-nos, dizer não às falsas promessas, à mentira e ao roubo, e agir pela afirmação de políticas alternativas
[1] Relatório “A Anatomia da Crise em Portugal” do Observatório sobre Crises e Alternativas do CES-UC.