Há 45 anos, fez ontem, Américo Tomás e José Hermano Saraiva saíram enxovalhados de Coimbra. A inauguração do edifício das Matemáticas deveria ter decorrido na tranquilidade sepulcral de um regime omni-controlador. Era suposto que o medo pastoso, paralisante, do respeitinho muito lindo tivesse prevalecido. Que “suas excelências as autoridades civis, militares e religiosas” tivessem feito o panegírico da portugalidade salazarista e que se tivesse seguido um assentimento basbaque de estudantes quietos e ordeiros, cheios de boa educação. Era suposto mas não foi assim. Fazendo frente à polícia e ao medo, os estudantes vieram à rua dizer que era de bolor aquela tranquilidade, que uma universidade entronizadora da ordem autoritária era o contrário da própria ideia de universidade, que uma juventude entalada entre a guerra e o fechamento aos ventos de mudança soprados de Paris, de Praga ou de Woodstock tinha que explodir.
Tomás, Saraiva e tutti quanti, fez ontem 45 anos, não souberam – ou não quiseram – perceber que o tempo da explosão chegara e que o fascismo português se tornara numa panela de pressão social. O silêncio que então impuseram ao Presidente da Direção-Geral da Associação Académica Alberto Martins foi a maior prova de fraqueza política que podiam ter dado. Tiveram medo de ouvir o que não queriam e foi isso que os moveu.
45 anos depois do 17 de abril de 1969, PSD e CDS impedem os militares que fizeram o 25 de abril de falar na sessão evocativa da revolução democrática. Diante da pretensão dos capitães de abril, a maioria governamental responde como Américo Tomás respondeu ao pedido de intervenção de Alberto Martins: “Bem, mas agora fala o Senhor Ministro das Obras Públicas”.
Alegaram como razão para a recusa a defesa da superioridade democrática da representação popular sobre quaisquer sombras de tutela. É um argumento falso, postiço. Primeiro, porque PSD e CDS não têm feito outra coisa que não seja a afirmação da superioridade de tutelas externas – a da troika, a dos mercados – sobre os representantes do povo. A voz dos credores é para se ouvir, a voz dos militares que nos ajudaram a conquistar a democracia não. Mas, mais que tudo, o argumento real para PSD e CDS recusarem liminarmente a intervenção dos militares de abril na cerimónia parlamentar resume-se a algo muito simples: o medo de ouvirem o que não querem, dito por quem tem a autoridade política de ter feito corajosamente e sem retorno pessoal o 25 de abril. A recusa do PSD e do CDS evidencia o medo de que, naquela que é a casa da democracia, se acrescentem, ainda que pontualmente, desassombradas vozes críticas da governação àquelas que a representação popular já ali colocou pelo voto.
Dir-me-ão que é uma comparação errada, que não leva em conta diferenças essenciais. Que hoje estamos em democracia e que isso faz a diferença toda relativamente a 1969. Ora, o problema mais sério de tudo isto é precisamente esse, que PSD e CDS não saibam fazer jus à democracia e queiram que a comemoração dos 40 anos do 25 de abril seja tão parecida no essencial com a inauguração do Edifício das Matemáticas em Coimbra há 45 anos. PSD e CDS querem ter uma cerimónia comemorativa que seja uma liturgia assética, um ritual sem alma e sobretudo sem consequências. Não querem sobressaltos porque, na sua visão do que é verdadeiramente importante, os mercados podem-se enervar. O “bem, mas agora fala o Senhor Ministro das Obras Públicas” imposto pelo PSD e pelo CDS é, para além de muitas outras coisas, uma prova suprema de fraqueza política. E é a expressão de que o poder político democrático de hoje não sabe – ou não quer – reconhecer que a explosão social está aí e que o seu fechamento ao sofrimento e à indignação gerais é que mata a democracia.