Quarenta anos depois do 25 de abril, democratizar a democracia é o primeiro “dê-ao-quadrado” que se impõe a Portugal. Haverá mais, mas este tem que ser cumprido já. A democracia portuguesa está frágil, fustigada fundamentalmente por duas realidades que a desqualificam aos olhos da maioria das pessoas. Por um lado, a deslocação dos centros de decisão efetiva sobre as nossas vidas para entidades sem rosto (“os mercados”…) torna a prestação de contas pelos representantes num exercício que só muito limitadamente incide sobre o que realmente penaliza a nossa economia, o nosso trabalho ou os nossos horizontes de futuro. Por outro lado, os becos com pouca saída a que conduziu uma democracia representativa apropriada por um centrão em que se misturam negócios, leis, proclamações e sinecuras retiraram-nos o sentido das alternativas e puseram a alternância entre o mesmo e o mesmo no seu lugar.
Não se pode fazer nada? Pode. Para cada um destes fatores de esvaziamento da democracia há uma resposta. A celebração dos quarenta anos do 25 de abril será inútil se não fizer da assunção destas respostas o seu propósito essencial.
A resposta para o esvaziamento da democracia pela transferência das decisões mais importantes para longe de nós passa pela combinação sábia da luta democrática em todas as escalas. E a mais imediata e em que mais eficazmente podemos intervir é a escala europeia. Fazer da luta pela nossa autodeterminação contra as troikas uma luta gémea do combate por uma refundação democrática da União Europeia não é uma abstração mas sim algo muito concreto. São dois rios que se unem no confronto com todo o processo de autoritarismo político e social que a União seguiu após Maastricht e que tem no Tratado Orçamental a sua expressão mais acabada. As próximas eleições europeias são uma oportunidade imperdível – porque são as primeiras em que podemos julgar as políticas de resposta (ou de agravamento?) à crise originada pela decisão de resgatar o sistema financeiro – para dar voz a esta dimensão fundamental do programa de resgate da democracia.
A resposta para o esvaziamento da democracia às mãos da promiscuidade entre negócios e representação política tem dois lados. Um é o acolhimento de caminhos da democracia participativa como forma de transformar uma democracia-de-controlo numa democracia-de-decisão. Enquanto a democracia se confinar aos limites da representação, a sua degeneração às mãos do bloco central dos interesses será sempre uma realidade pesada. O outro lado de uma resposta democraticamente qualificada a esta promiscuidade é a exigência de muito maior rigor republicano na representação. Não é concebível que uma democracia representativa permita que os eleitos possam acumular funções de representação do povo com funções profissionais vinculadas a interesses económicos particulares. É sabido que o problema das incompatibilidades dos deputados se presta a proclamações populistas. Mas o facto de ser assim não deve inibir os que lutam por um resgate da democracia de exigirem rigor e transparência da representação política. Não é admissível que advogados que defendem legitimamente os interesses dos seus clientes sejam em simultâneo legisladores. Como não é admissível que gestores de empresas sejam ao mesmo tempo autores do orçamento do estado. Se isto é verdade para membros do governo, para magistrados ou para eurodeputados, tem de o ser também para os deputados nacionais. É em nome de uma democracia mais forte e mais qualificada aos olhos de todos que a exclusividade dos deputados se impõe.
O “dê-ao-quadrado” da democratização da democracia é um programa de resgate. Os credores somos todos e todas. Exigimos que respeitem os nossos interesses. Senão ficamos nervosos. Como os mercados…