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01-03-2014        Jornal de Notícias

O processo da chamada saída da troica – ilusória, uma vez que continuaremos entroicados nas garras do poder financeiro e das políticas de uma União Europeia (UE) dicotómica e anti solidária – ao coincidir com as eleições para o Parlamento Europeu, tornou-se uma armadilha para o futuro coletivo.

O governo desenvolve com todo o à-vontade a campanha mentirosa do “êxito”, beneficiando da cobertura política do Presidente da República, da frágil intervenção de outros órgãos de poder e instituições que vêm claudicando perante a “inevitabilidade da austeridade” e da reduzida análise crítica nos grandes media. Como é sabido, não se pode confundir indicadores gerais (por agora pontuais) de crescimento económico com a melhoria das condições de trabalho e de vida das pessoas. Como veremos à frente, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na situação em que o país se encontra, não significa mais rendimento disponível para as pessoas e para o conjunto da economia, e a injustiça na distribuição da riqueza tem-se agravado.

Parte significativa dos portugueses está tão manietada nas suas vidas, incapacitada na resposta aos problemas do dia-a-dia, que anda a fugir da vida, sendo tentada a acolher uma ilusão ou a dar crédito a um milagre como formas de abrir perspetivas de futuro.

O Partido Socialista, que no quadro político-partidário existente é, no senso comum, a força política que mais se afigura como alternativa, está hoje rendido ao domínio do poder económico e financeiro e a dimensões “necessárias” da austeridade, mesmo que uma parte dos seus quadros e bases sinta que essa cedência é desastrosa.

Neste cenário, o governo e as forças políticas e sociais que o apoiam têm o caminho aberto para ampliar a venda de ilusões e empurrar os problemas com a barriga. Entretanto as faturas a pagar no futuro vão aumentando!

Num exercício de criatividade manipuladora, Luís Montenegro disse, no contexto do recente congresso do PSD, “ A vida das pessoas não está melhor, mas não tenho dúvidas de que a vida do país está muito melhor”. Esta afirmação, tomada à letra, coloca uma irracional dicotomia entre condições das pessoas e condições do país. Mas merece ser analisada em duas vertentes.

Primeira, de facto há quem vá ficando com uma vida bem melhor ao lado do aumento generalizado do sofrimento do povo: os grandes capitalistas transformaram riqueza virtual em riqueza efetiva; acionistas da banca, e não só, ganharam com os roubos e a especulação que gerou a crise e continuam a ganhar com a sua gestão; os empresários poderosos deixaram de ter qualquer risco uma vez que o Estado (o governo) tem agora por missão assegurar-lhes sempre lucros (veja-se os negócios das PPP), à custa dos impostos e sacrifícios dos cidadãos; apenas no espaço de um ano o número de multimilionários e as suas fortunas cresceram 11%; os sistemas de saúde, de ensino, de proteção social e os recursos do país estão agora mais disponíveis para serem explorados pelos capitalistas nacionais e estrangeiros em seu favor. Certamente são estes interesses que os Montenegro consideram como país.

Segunda, se tomarmos o PIB como uma medida do estado do país, o país pode parecer melhor quando o PIB cresce um pouco, como terá crescido nos dois últimos trimestres, mas a situação dos portugueses continuar a piorar. Isso acontece porque são transferidos para o exterior recursos sob a forma de juros e outros rendimentos de capital. É esta a perspetiva de futuro próximo anunciada pelo governo e pela troica. Mesmo que “o país melhore” – o PIB deixe de cair – os portugueses vão continuar pior. É a consequência de uma dívida insustentável, que devia ser reestruturada, mas que jamais será com este governo ao serviço dos credores.

A austeridade mata mas, dentro do quadro atualmente vigente no país e na UE, a morte lenta aparece como inevitável. Como a morte certa não é algo que alguém na posse do seu perfeito juízo possa desejar, é preciso alterar o quadro político existente no país e na UE. Isso exige muita luta, muita vontade, muita persistência. São precisas ruturas que pressupõem escolhas difíceis dos portugueses. Enquanto não o fizermos, alguns ficarão sempre melhor e o povo cada vez pior.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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