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21-02-2014        Diário de Notícias

A candidatura da Guiné Equatorial a membro de pleno direito da CPLP – o país tem o estatuto de observador desde 2006 – desafia os seus Estados membros a assumirem uma posição clara sobre o que deve ser esta plataforma no mundo de hoje.

O que motiva uma das mais velhas e torcionárias ditaduras de África a bater à porta da CPLP é claro: procurar a caução internacional que lhe tem sido negada por toda a gente. Nenhum governo quer aparecer na fotografia como parceiro de um regime que faz da corrupção, da tortura, das prisões arbitrárias, da negação das liberdades básicas o seu modo de ser há 35 anos. Ninguém quer ser avalista internacional de um governo que, a isto tudo, junta a capacidade de transformar um dos mais elevados PIBs per capita de África num dos mais baixos lugares no Índice de Desenvolvimento Humano, ou seja, um país em que, não obstante ter um rendimento médio per capita idêntico ao da Itália, há mais de 70% da população que vive com menos de 2 dólares por dia.

O regime de Teodor Obiang precisa de furar o muro de ostracismo a que o sentimento de conveniência da comunidade dos Estados o votou. E a CPLP é o veículo por ele escolhido para essa operação de branqueamento. Ora, face ao cadastro ditatorial de invulgar envergadura e à ausência de qualquer ligação efetiva á língua portuguesa, causaria, no mínimo, estranheza qualquer abertura da organização às pretensões de Obiang. A estranheza, porém, desvanece-se logo que surge a palavra petróleo: a Guiné Equatorial é o terceiro produtor de petróleo e de gás natural da África Subsaariana e os milhões do ouro negro premitem ensaiar a compra de vontades onde quer que seja. Ou nem isso, porque há os que, não precisando de petróleo nem dos seus proventos, apreciam a condescendência dos seus parceiros para com um regime como o da Guiné porque isso os legitima. É essa a tragédia desta situação: perdendo a democracia, todos parecem ganhar.

A mais recente expressão dessa estratégia de compra de vontades é a promessa de injecção de 133,5 milhões de euros no BANIF por uma empresa estatal da Guiné Equatorial, permitindo assim ao banco concluir a sua recapitalização, indispensável para passar no exame da União Europeia. Não há nenhuma racionalidade económica em tal investimento nem nenhuma outra razão plausível que não seja o amaciamento das reservas levantadas até agora por Portugal à entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Não é certamente um acaso que o discurso do Governo tenha evidenciado, nos últimos dias, sinais de abertura à pretensão de Obiang.

A CPLP não é um clube de democratas imaculados, longe disso. Nem a língua oficial comum aos seus Estados membros dá à organização uma singularidade idealista de que andem arredadas estratégias de poder. A questão é outra. A CPLP nunca terá condições para constituir um bloco que compita com outros fora internacionais fundados no poder militar ou no poder económico. Não é, não pode ser, esse o seu campeonato. O que lhe dará credibilidade será antes o seu contributo específico para as políticas de diplomacia preventiva, de suporte às práticas democráticas ou de cooperação sul-sul (sobretudo no plano cultural).

É por isso que a aceitação do regime de Obiang será o pior dos sinais. Porque mostrará uma organização disposta a abdicar da ambição de ter a força da diferença para se tornar num entreposto de negócios legitimadores de poderes políticos autoritários. Com uma agravante: terá muito menos poder que outros entrepostos do mesmo tipo e tornar-se-á, portanto, facilmente descartável. A CPLP tem condições para ser pioneira na implementação de políticas de natureza pós-colonial. Aceitando Obiang descaracteriza-se e abre-se ao caminho da irrelevância.


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
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