Pensar o pós-troika é muito mais do que pensar como se vai Portugal financiar depois de maio. É pensar que país vai ficar depois do ajustamento (ou melhor, depois desta fase do ajustamento, porque esse continuará, com a perpetuação da austeridade durante 15 ou 20 anos, algo já dito por Passos Coelho como sendo a sua "solução" para pagar uma dívida que sabe impagável).
O que já sabemos é que vai ser um país mais pobre, com menos trabalho e com menos capacidade de responder aos desafios do nosso tempo. É isso o pós-troika. E é para selar a estabilização desse desígnio que a direita económica e política procura um pacto de regime com o Partido Socialista.
O Portugal do pós-troika será evidentemente um país mais pobre, resultado da redução salarial generalizada, da brutal penalização das reformas e da perda de salário indirecto traduzida no esfacelamento prático das políticas de universalidade de serviços públicos essenciais como a educação, a saúde ou a segurança social. A esse país mais pobre, o país da esmagadora maioria das pessoas, contrapor-se-á um outro Portugal, um mini-país em condomínio fechado, feito dos mais ricos do costume que verão, como estão a ver, a sua fortuna duplicar ou triplicar ao sabor de movimentos especulativos ou como prémio de truques fiscais.
Será também um país com menos trabalho. A euforia que tomou conta dos arautos do ajustamento pela austeridade face aos números do desemprego tem pés de barro. É claro que a criação de emprego é uma boa notícia para o país. Mas entendamo-nos: os dois pontos de recuo na taxa de desemprego, sendo um dado em si mesmo positivo, não podem servir de biombo para esconder as realidades da perda quantitativa e da desqualificação do trabalho em Portugal pela mão do ajustamento. Primeiro, por cada três empregos destruídos desde que se iniciou a aplicação do memorando com a troika criou-se apenas um (128 mil empregos criados, 435 mil empregos destruídos). Segundo, a população ativa está a diminuir acentuadamente: de acordo com o INE, essa diminuição situou-se em 117 mil pessoas só em 2013 o que, descontado o saldo natural da população, atira para cerca de 90 mil ativos a menos. E isso tem um nome: emigração. O país voltou a um padrão da década de sessenta, quando os homens emigravam e as mulheres ficavam em trabalhos pouco qualificados. Essa é a terceira nota: o emprego que está a ser criado, sendo escasso, é mau. Os dados do INE são inequívocos: cresce o emprego em ocupações entre 1 e 10 horas semanais e naquelas que ultrapassam as 40 horas por semana, sendo que, onde o trabalho se situa entre as 30 e as 40 horas se registou uma destruição de mais de 310 mil empregos. Uma economia de biscates, de call centres e de jorna – dá isto razões para contentamento?
O país do pós-troika será, enfim, menos apetrechado para responder aos desafios do nosso tempo. A consideração da ciência e da cultura como gorduras a cortar – patente no desinvestimento indesmentível na formação de doutorados e na pesquisa de pós-doutorados, no vazio a que Nuno Crato remeteu a formação de adultos ou na confrangedora incultura (para além de irresponsabilidade) revelada pelo governo em toda a novela dos quadros de Miró – traz-nos de volta o país de “pobrezinhos mas honrados”. Ou talvez nem isso, porque até a honra de sermos nós por nós mesmos nos terá sido tirada quando chegarmos a maio.