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29-01-2014        The Brasil Post [Brasil]

Recentemente um vídeo do Brasil atraiu muitas atenções em todo o mundo, contrariando a imagem que o país deseja promover com a Copa e com as Olímpiadas.

O vídeo mostra três presos decapitados num presídio do estado do Maranhão. Os três homens foram mortos por prisioneiros rivais, os mesmos que fizeram o vídeo. Se você olhar com atenção irá perceber que, sem surpresas, as vítimas e os perpetradores são homens jovens, pobres e negros. No sistema prisional e em todo o país, eles são vítimas de uma guerra não declarada. Eles não são apenas símbolos da pobreza crônica e da desigualdade no país. São também vítimas da masculinidade.

Em virtude do número de homicídios de homens registados no Brasil ao longo dos últimos 30 anos, existem hoje no país cerca de 4 milhões a mais de mulheres do que homens no país -- o que corresponde a aproximadamente a população de Los Angeles, Califórnia. Milhões de famílias no Brasil perderam filhos, pais, maridos e irmãos em resultado de enfrentamentos entre fações de tráfico de droga, brigas de bar e outros conflitos fortuitos. Segundo dados de 2010, o Brasil regista 56,4 homicídios por 100 mil habitantes. Apesar da redução das taxas globais de homicídio no país nos últimos dez anos, tal não se verifica no caso dos homens negros.

Estes dados não são novos. O mais preocupante é o histórico e o caráter persistente destes índices de homicídio de homens negros face às melhorias observadas nas condições de vida dos segmentos mais pobres da população. Ao longo dos últimos quinze anos, o Brasil assistiu a uma redução inédita das desigualdades sociais. A população brasileira mais pobre tem hoje rendas mais elevadas e as suas crianças têm mais acesso à educação e à saúde. Todavia, estas importantes conquistas não tiveram grande impacto na redução das taxas de homicídio entre os homens jovens de baixa renda, principalmente os negros.

Muitos dos homens jovens que morrem -- ou matam -- no país estão envolvidos com facções de tráfico de droga. A maioria destes homicídios ocorrem em áreas urbanas, onde o comércio de drogas emergiu como resposta a oportunidades limitadas de emprego e à presença reduzida do estado e onde é fácil ter acesso a armas de fogo. Num contexto onde os homens jovens têm poucas coisas que os façam sentir "homens de verdade", esta violência está ainda relacionada com a competição por reputação, reconhecimento e honra entre os pares e busca de prestígio junto às mulheres.

A polícia brasileira, que devia ser parte da solução, é, demasiadas vezes, parte do problema. O Brasil tem até os dias de hoje uma polícia militar -- uma força policial que opera, em grande medida, segundo uma lógica militar, opondo-se a inimigos e insurgentes, em vez de seguir uma lógica de segurança pública. Apesar das reformas encetadas nos últimos anos, em muitas partes do país a Polícia Militar está entre as forças policiais mais violentas e letais do mundo. De fato, em vez de trabalhar pelo fim das guerras do tráfico de drogas, a Polícia Militar é, não raras vezes, parte do tráfico de drogas. Em 2007, só no estado do Rio de Janeiro, a Polícia Militar foi responsável pela morte de 1.330 pessoas. Recentemente, 15 policiais da Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro foram condenados por tortura, morte e ocultação de cadáver de um homem -- Amarildo -- na favela da Rocinha. Amarildo tinha sido torturado durante um interrogatório sobre traficantes de droga que atuavam no território perto de sua casa. Muito dificilmente se pode considerar que esta seja uma ação digna de uma força "pacificadora".

No meio desta violência, o governo age frequentemente no sentido de inflamar os conflitos e não de solucioná-los. No Rio de Janeiro, por exemplo, numa tentativa de reduzir a violência das facções de droga, o governo implementou, desde 2008, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), um programa que destacou de forma permanente unidades de polícia militar em áreas de baixa renda. Nos últimos 5 anos, foram criadas 36 UPP no Rio. Não obstante os progressos realizados na redução do alcance e poder das facções de tráfico de drogas, estas unidades têm estado envolvidas em casos de abuso e de conduta violenta contra os moradores que supostamente deveriam proteger.

A guerra contra os jovens negros no Brasil só será solucionada quando os decisores políticos e o público em geral compreenderem como a pobreza e a desigualdade no país alimentam a forma como educamos e socializamos os meninos, e entenderem de fato a exclusão social e racial que os homens de descendência africana enfrentam. É importante reconhecer que existe um problema e abordá-lo como realmente é: uma epidemia nas vidas de homens, jovens e negros. Dado que as suas famílias não têm acesso a advogados nem à mídia, estas mortes são muitas vezes esquecidas ou consideradas parte da ordem natural das coisas.

É igualmente importante compreender as necessidades específicas dos jovens negros do sexo masculino no Brasil. Para eles a violência e a exclusão social tornaram-se normais e enraizadas no seu cotidiano. Eles levam essa violência para casa, para as suas comunidades e famílias. Num país em que o mito da democracia racial esconde a realidade das relações raciais, estas mortes são uma lembrança de que a população negra no Brasil ainda permanece mais exposta à pobreza, ao abandono escolar, e à morte do que a restante população.

Por último, é necessário abordar a questão do que significa ser homem. Existe uma cultura hipermasculina profundamente arraigada nas forças policiais, nas fações de drogas, na mídia e na população em geral no Brasil. A violência policial é tolerada, assim como violência na mídia, a violência no futebol, a violência na família e a violência contra os grupos indígenas. A conexão entre a violência e a masculinidade no Brasil deve ser quebrada.

Se estas questões não forem resolvidas, as crianças farão parte da longa lista de vítimas deste conflito não declarado. Questionários realizados pelo Promundo dão conta de que um terço dos homens jovens já sofreram agressões em casa e que outro terço foi vítima de violência na comunidade. Simultaneamente, mais de um em cada cinco homens jovens em comunidades de baixa renda afirmaram ter sido intimidados ou agredidos fisicamente pela polícia. Outro estudo recente, realizado com crianças usando métodos como desenhos e narração de histórias, revelou que crianças com apenas 4 anos sentem medo dos homens de suas comunidades, especialmente dos policiais.

O Brasil é um país vasto, diversificado e impressionante, com um potencial tremendo, e que está, cada vez mais, a assumir um papel na arena internacional. Contudo, o seu potencial só será alcançado quando for capaz de por um fim ao racismo sutil e ostensivo e à exclusão social que subjaz à guerra contra os seus homens jovens e negros.

[Texto publicado originalmente em inglês no The World Post]

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Tatiana Moura is Director of Promundo-Brazil a non-profit organization that works internationally to engage men and boys to promote gender equality and end violence against women and researcher at Centre for Social Studies at The University of Coimbra. Jose Luis Ratton is Professor, Federal University of Pernambuco. Gary


 
 
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