Ao mesmo tempo que fecha Portugal a toda uma jovem geração qualificada e a empurra para a emigração, o governo abre as portas a imigrantes endinheirados que não querem pagar impostos nos seus países. Estamos a falar de vistos “gold” e do “regime fiscal dos residentes não habituais”.
Estes regimes de privilégio permitem que os novos imigrantes endinheirados se estabeleçam em Portugal, ou finjam estabelecer-se. E, assim, passem a pagar no nosso país impostos inferiores, não só aos que pagariam nos seus países, como aos que os portugueses com rendimentos similares pagam em Portugal. Os jornais falam de milhões de euros atraídos por este isco, em benefício particular do setor imobiliário. Pode ser. Embora se exija uma reflexão séria sobre o que isso significa de contributo para uma estratégia de desenvolvimento a prazo. Mas, não é por essa entrada imediata de dinheiro poder ser útil, que o regime de privilégio deixa de ser moralmente repugnante. Por que razão deve um imigrante endinheirado pagar a mesma taxa de imposto, ou uma taxa ainda menor, que qualquer outro imigrante ou qualquer português?
Por outro lado, quando observamos as relações entre os países e as sociedades, este regime de privilégio surge-nos estúpido. Assim como Portugal, outros países da União Europeia (UE) estão a tentar atrair capitais de forma semelhante - Malta, Espanha, Bélgica e Reino Unido, etc. Isto significa que ao mesmo tempo que os ricos desses e de outros países escolhem Portugal como paraíso fiscal, os ricos portugueses podem refugiar-se em paraísos concorrentes. Temos, então, uma Europa em que cada país troca os seus ricos pelos ricos do parceiro em detrimento de todos. O povo paga para que ricos possam gozar de privilégios fiscais. Isto faz algum sentido? Parece que sim! Para aqueles que se estão borrifando para a justiça e para o futuro.
Muitas vezes os grandes desastres nas sociedades humanas parecem-nos loucura, mas acontecem. Designadamente, quando impera a lógica de colocar todos contra todos em benefício de meia dúzia.
Em alternativa a esta injustiça, a UE poderia substituir a concorrência fiscal pela criação de um regime fiscal verdadeiramente harmonizado. Poderia e isso significaria “mais Europa”. Mas a imposição do capitalismo neoliberal não permite essa via. Os poderes dominantes nesta UE conseguem harmonizar tudo o que seja importante para a liberdade de circulação de capitais e mercadorias, para enriquecer os mais ricos. Mas jamais harmonizam regras básicas, com sentido de progresso, digam elas respeito à fiscalidade ou à garantia de direitos sociais e, muito menos, se disserem respeito aos direitos no trabalho.
É por estas e por outras que a UE está a deixar de significar, para cada vez mais europeus (e não europeus), uma promessa de cooperação e progresso, para se transformar numa perigosa ameaça aos direitos, à dignidade e à prosperidade. E por extensão à própria paz, arrastando, no caminho da borrasca, a destruição da democracia.
Na propaganda que sustenta as políticas que nos estão a conduzir a um empobrecimento idêntico ao provocado por uma guerra bem dura, para além de o povo ser “incriminado” por desvios e desastres de que não tem responsabilidade, é-nos dito, cinicamente, que os portugueses têm o defeito de não querer sair da sua “zona de conforto”. Quando olhamos para a lógica destes regimes fiscais de privilégio; quando vemos Vítor Gaspar, Nobre Guedes e C.ª rumarem para a emigração dourada de forma a poderem prosseguir, em patamares mais elevados, os seus contributos para as negociatas, grande roubo coletivo organizado e “legal” em que se especializaram; quando ouvimos dizer que Portugal – país pequeno, com uma economia frágil e em crise – é hoje um “importante espaço de negócios”, algo de muito grave se passou e está a passar.
A selva está a instalar-se. A vida dos portugueses e portuguesas, das organizações de todos os tipos, e das instituições, vai sendo contaminada pela podridão.
Os caminhos alternativos são difíceis, mas possíveis. Derrotar a marcha em curso e trazer valores para o debate é meio caminho andado.