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20-12-2013        Diário de Notícias

O pós-memorando de entendimento com a Troika será o memorando com a Troika sem ela. A forma muda para que o conteúdo se mantenha. E esse conteúdo é uma austeridade sem fim à vista, um continuado abate de serviços públicos essenciais e de direitos de dignidade social elementar.

Nem era preciso que Mario Draghi tivesse desmentido Paulo Portas a este respeito, como o fez sem pestanejar esta semana. O que Draghi disse – durante o “período transitório, haverá um programa, haverá um programa adaptado à situação durante esse período de tempo. Teremos que ver que tipo de forma é que esse programa terá” – não deixa margem para dúvidas: a coisa está decidida, só falta decidir a forma. O nome da coisa – programa cautelar, seguro, linha de crédito do Mecanismo de Estabilidade Europeu, segundo resgate – é o menos. É a substância que conta. E essa é clara há muito.

Bem pode Paulo Portas encenar o resgate da soberania ofendida apregoando que em junho nos veremos livres de Troika. Que está quase, que só faltam uns meses, que agora é só aguentarmos estoicamente mais umas semanas porque o pesadelo está no fim. Não está. Passado junho, não passará “a obrigação de cumprirmos os nossos compromissos internacionais” nem passará o “estado de exceção”. Não passarão as “condicionalidades” (leia-se as imposições de metas de esfacelamento da democracia social), nem passarão as “avaliações” de perfil humilhantemente colonial sobre o desempenho do país. Ouviremos então o mesmo Paulo Portas que nos encoraja agora a mais uns meses de estoicismo para sermos de novo independentes a avisar-nos que “temos que ser responsáveis” e que “os sacrifícios imensos que o povo português fez não podem ser em vão” e que “temos que manter o rumo” (onde é que eu já ouvi isto?). Traduzido para Português: a austeridade de agora impõe austeridade depois, a humilhação colonial de agora impõe mais humilhação colonial depois. E sempre. Porque a austeridade não é um instrumento mas um fim: empobrecer quem tem menos para transferir essa diferença para quem sempre teve mais.

Foi importante, porque clarificador, que Draghi tivesse dito o que disse antes de qualquer decisão do Tribunal Constitucional sobre o orçamento para 2014. Porque assim fica cristalino aos olhos de todos que o alibi preparado pelo Governo para justificar aos olhos dos cidadãos a impossibilidade de um efetivo resgate da independência não é senão uma encenação que pretende legitimar mais golpes na democracia social e na dignidade das pessoas e a desresponsabilização do Governo pela perpetuação e o afundamento da crise económica do país no próximo ano.

O que se impõe não é pois aguentar mas sim interromper a trajetória de endividamento crescente e de debilitamento da capacidade produtiva nacional. Três anos de austeridade trouxeram-nos a este casamento perverso entre uma crescente incapacidade do país de fazer face à sua fragilidade e ao seu atraso e uma indisponibilidade de instrumentos de política económica para o tentar. Tudo agravado por uma Europa que, em vez de usar o poder que tem para ajudar a resolver estes problemas o faz apenas para impor nas suas periferias internas um modelo de sociedade que não foi a votos e que a democracia derrotaria inexoravelmente.

Para um país assim, o regresso aos mercados não é um projeto, é uma ilusão. O Governo obriga o país a morrer à sede mobilizando-o para caminhar em direção àquilo que sabe ser uma miragem mas que diz ser um oásis. Quando lá chegarmos só haverá mais areia e mais calor sufocante. O caminho do país tem que ser sair deste caminho.

 


 
 
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José Manuel Pureza



 
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