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29-11-2013        Público [Ípsilon]

Exposição “Close, Closer”
Trienal de Arquitectura de Lisboa
LISBOA. Museu da Electricidade, Carpe Diem e MUDE - Museu do Design e da Moda.

Outra coisa qualquer

A Trienal não só quis expulsar a arquitectura como as “tribos da arquitectura portuguesa”. Não só quis dar valor aos mais jovens como expulsar os mais velhos. Supõe-se que Sir Norman Foster não viria, de qualquer modo.

A vocação para ser arquitecto é difusa. Com excepções, ninguém quer ser. E de facto muitos arquitectos acabam por ser músicos, artistas, o que for. Por ser do domínio público, a arquitectura é uma área exposta; por convocar as ciências e as artes, está numa zona de fronteira. O arquitecto como especialista de generalidades, ou como generalista de especialidades, produz um imbróglio científico.

Por causa desta “fraqueza” surge a noção da arquitectura como “disciplina”, isto é, com um corpo teórico e histórico próprio, e um orgulho particular. Os arquitectos falam, por isso, horas a fio sobre assuntos que interessam… aos arquitectos. Está-se mesmo a ver no que isto dá: na Trienal de Arquitectura de Lisboa, Close, Closer, por exemplo. Ciclicamente, os arquitectos precisam de sentir que pertencem à sociedade para a qual trabalham e de tocar na artisticidade que sempre lhes parece escapar. Precisam de pensar que a arquitectura é outra coisa qualquer.

Close, Closer , com a curadoria geral de Beatrice Galilee, é um desses momentos. Em épocas de crise, a má-consciência de ser arquitecto regressa implacável: para que serve a arquitectura quando há quem passe fome? A tentação artística ou sociológica — as duas juntas, tanto melhor — regressa para aliviar esta dor. Já não se trata evidentemente de pintar aguarelas ou fazer inquéritos às populações mas de “ocupar” os espaços ou ingressar no participative design.

Há fundamentos bem práticos para este hara kiri disciplinar. A escassez do trabalho na área da construção obriga a encontrar outros mercados, o que é legítimo. É, no entanto, espantosa a “modéstia” com que se entende que o arquitecto pode ser um artista, um sociólogo ou outra coisa qualquer. Ou um maravilhoso anfitrião para todos esses protagonistas. O portador de um talento multidisciplinar com aptidões sociais que lhe permitem abrir portas que insistem em estar fechadas.

Close, Closer quer assim demonstrar as qualidades infindáveis de cada arquitecto, modestamente; e/ou erguê-lo à condição de relações públicas com uma agenda social e/ou artística.

O que cola tudo é a ânsia pela “novidade” que os desenvolvimentos radicais nas áreas tecnológicas despoletam sempre nas áreas artísticas. Deste ponto de vista, Close, Closer funciona dentro da lógica das “indústrias criativas e culturais”, onde o empreendedorismo, o talento individual, a criação de nichos, geram “inovação” e oportunidades de negócio. Até aqui, fair enough. É fundamentalmente uma Trienal da Criatividade. Que decorre num momento onde organizar qualquer evento é uma tarefa difícil porque o país está empobrecido; e que acolhe, também em projectos associados, instituições e pessoas de grande mérito.

As três iniciativas centrais da Trienal determinam três modos estratégicos: processualidade (O Efeito Instituto); efemeridade ( A Realidade e Outras Ficções); e informalidade (Futuro Perfeito). O que as une é a negação dos formatos tradicionais de expor a arquitectura ou mesmo a negação da arquitectura. Em O Efeito Instituto (curador Dani Admiss), “12 instituições” exploram “o papel das instituições na arquitectura” num programa que se sucede em “workshops, conversas, projecções e exposições”; sendo um work in progressprecisa de uma análise final quanto ao sucesso dos seus objectivos. A Realidade e Outras Ficções (curadoria de Mariana Pestana) propõe uma “reconstrução” do Palácio Pombal através de sete intervenções e um conjunto de jantares com personalidades convidadas (e inscrições), visando a participação activa no espaço através de narrativas encenadas. Futuro Perfeito (curador Liam Young) é a típica exposição sobre o futuro da cidade cruzando vários mediae formas artísticas com efeito impressivo, embora seja talvez curta em dimensão, face à ambição da proposta.

O ponto mais delicado é que a curadora da Trienal não só quis expulsar a arquitectura como os arquitectos concretos, as “tribos da arquitectura portuguesa”, que diz não conhecer; não só quis dar valor aos mais jovens como expulsar os mais velhos (os tais “homens, velhos, brancos, ricos e com sucesso” que não estavam convidados). Suponho que SirNorman Foster não viria, de qualquer modo.

O crítico do The Guardian falou de irreverência (perguntando se não seria excessiva), mas tínhamos a impressão que a irreverência era uma estratégia antiga, dos anos 1960, uma forma juvenil de conquistar a reverência a médio prazo. E, de facto, devemos constatar que Close, Closer não tem tema, só a ginástica de uma irreverência formatada em linguagem global, apimentada com a sugestão de uma luta intergeracional.

A hostilização dos arquitectos nesta Trienal é pouco sensata, até em termos de público. Convém talvez relembrar que a Trienal existe como reflexo do relevo que as “tribos da arquitectura portuguesa” foram ganhando. Nós pensávamos que éramos especiais mas não estávamos nem perto. Centralmente, para lá dos méritos individuais de algumas iniciativas, Close, Closer é só adesão e nenhuma reflexão, somente actualidade, nenhum anacronismo. Como escreve Giorgio Agambem: “Aquele que pertence deveras ao seu tempo (…) é alguém que não coincide perfeitamente com ele nem se adapta às suas exigências e é por isso, nesse sentido, inactual; mas, precisamente por isso, precisamente através do seu distanciamento e do seu anacronismo, é capaz de perceber e captar o seu tempo melhor do que outros”.


 
 
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Jorge Figueira