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22-11-2013        Diário de Notícias

O défice de produção de conhecimento, o défice de centralidade da ciência na atividade económica e na elaboração de políticas públicas, o défice de formação de espírito crítico amadurecido têm hoje em Portugal uma gravidade dramática e crescente. E perante estes défices, como perante os défices das contas públicas, o Governo adota políticas que os agravam em vez de os diminuírem.

Segundo a insuspeita OCDE, em 2010 os gastos médios per capita em ensino superior e ciência eram, em Portugal, 10.500 dólares face aos 13.500 de média nos países membros da organização. O mesmo estudo da OCDE indica que a despesa com o ensino superior em Portugal estava já então abaixo da média da organização e era suportada em mais de 30% pelas famílias, através de propinas que têm um claro efeito de eliminação de acesso à universidade de uma parte sensível da sociedade portuguesa.

Se estes números dão conta de um défice e de um atraso nacionais que exigem reformas estruturais de reforço do Estado Social na sua dimensão de serviço público de ensino superior e ciência, o orçamento para 2014 mostra, ao invés, um Governo a diminuir ainda mais e drasticamente a sua responsabilidade nesta área. Somando os cortes no financiamento de universidades e politécnicos com as cativações de 15% e com o aumento dos descontos sobre os salários, as instituições do ensino superior público contarão no próximo ano com 850 milhões de euros – menos 250 milhões que há apenas 3 anos – dos quais 330 serão propinas pagas pelas famílias. Portugal torna-se assim o país europeu em que o co-pagamento do ensino superior pelas famílias é mais alto e um dos países deste espaço em que o financiamento público passa a ser mais baixo. Nas universidades, a liberdade de escolha, na modalidade “ou pagas ou sais”, está em alta.

Acrescente-se a este corte drástico no financiamento do ensino superior as limitações nas contratações de novos professores para as universidades e o congelamento da contratação de doutorados para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional. Acrescente-se ainda a diminuição assinalável no volume de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e o incumprimento sistemático dos vínculos contratuais do Governo com as instituições mais sólidas do tecido científico nacional, designadamente os laboratórios associados.
Pobre país este em que quem produz ciência é visto mais que tudo como centro de custos e em que quem forma para competências avançadas é estigmatizado como luxo descartável. Uma política pautada pelo desinvestimento no ensino superior e na ciência é muito mais que míope, é estúpida e irresponsável. Porque desiste de formar espíritos adultos, pune quem é capaz de captar fundos competitivos internacionais e forma parcerias e redes ao melhor nível mundial e, com isso, empobrece estrutural e duradouramente o país.

Uma política assim, que mata conscientemente a produção científica e que faz ajoelhar a universidade como pólo de saber livre, parece-se muito a um remake para o nosso tempo do "viva la muerte" gritado contra Unamuno em Salamanca, em outubro de 1936, pelos franquistas para expressar o seu ódio à intelectualidade crítica. Não é certamente tão bruta no gesto mas é seguramente mais letal nos efeitos. São sempre assim as versões remix dos velhos hits de má memória.


 
 
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José Manuel Pureza



 
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