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10-11-2013        Público [Revista 2]

Fui convidado a participar numa jornada dedicada à Estratégia Nacional de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente, promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Aceitei com gosto. O tema que propuseram para a minha apresentação foi Indústrias Culturais e Criativas em 2020 - Cenários, Tendências, Barreiras e Desafios.

Este é o jargão corrente na União Europeia, não vale a pena disfarçar. A questão é saber se vamos a jogo ou não. Comecei por mencionar as habituais reticências quanto à correlação entre cultura e produtividade económica que define o conceito de "indústrias culturais e criativas". Falei da autonomia da cultura, e da sua parcimónia, para não dizer resistência, face às transformações ditadas por valores económicos.

Faz todo o sentido que o conceito de "indústrias criativas" seja proveniente da Inglaterra, e do mundo anglo-saxónico, porque aí a relação entre cultura e economia é fluente e aparentemente não problemática. Os exemplos do cinema e da música pop são eloquentes: são simultaneamente produtos comerciais e culturais, sem reservas ou dicotomia.

A sul da Europa, para simplificar muito, essa dicotomia existe. A cultura é entendida como tendo uma componente adversarial, que a coloca para lá do desenvolvimento económico, em paralelo, ou até contra. "Criatividade" também não é simples. Poderia dizer que a produção artística acontece quando a criatividade não chega ou não se intromete.

O ponto de ruptura dá-se quando falamos de "marcas" a propósito de fenómenos artísticos ou culturais. Raros serão os artistas, ou até os produtores culturais, que aceitam que o seu trabalho seja definido nesses termos.

Na arquitectura, assistimos hoje a uma cisão entre a tradição "cultural" e a sedução das "indústrias criativas". De um lado, estão os planos e os projectos urbanos, muitas vezes ligados a "expos", ou eventos culturais (numa lógica top down); do outro, iniciativas onde a informalidade, a processualidade e a "criatividade", permitem criar pequenos nichos de intervenção tipicamente bottom up.

A Trienal de Arquitectura de Lisboa, que está actualmente a decorrer, refere-se essencialmente à arquitectura como "indústria criativa".

Tudo somado, com os temas que propus, pude concluir provisoriamente que a "produção de memória" pode criar uma "indústria criativa", reinventando aspectos da identidade portuguesa, sendo crítico e interpelando as expectativas que o "norte" tem sobre nós. E, principalmente, escapando a qualquer tentativa de normalização e homogeneização de uma marca portuguesa.

Nós somos, por direito próprio, uma realidade complexa, antiga, multifacetada. Especialização, sim, mas não país-parque-temático.


 
 
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Jorge Figueira



 
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