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01-11-2013        Diário de Notícias

O velho sonho da direita – um governo, uma maioria, um presidente – é realidade. Mas, como o demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo, este inédito alinhamento não tem selo de garantia. Ele carece de um aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a salvo das tensões e contradições que resultam da natureza atentatória de direitos e de expetativas essenciais que é a das suas políticas. Maioria e Governo de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência social para se poder negar a evidência: são politicamente frágeis.

Dois fatores cruciais têm permitido contornar essa evidente fragilidade que, numa democracia normal, teria há muito resultado na devolução da palavra ao povo. O primeiro é o uso da troika como argumento de autoridade que se sobrepõe ao povo soberano e à constituição democrática, como dispositivo de legitimação sem recurso dos extremismo das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às pessoas dia após dia. O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da República que se afasta da lógica de pesos-e-contrapesos que a Constituição sabiamente consagra e se apresenta como um seguro de vida – e, mais que isso, como um suplemento vitamínico – de uma governação crescentemente agressiva.

Estamos no auge do choque entre dois constitucionalismos em Portugal. De um lado o constitucionalismo do Estado de Direito recebido na lei fundamental da República. Do outro, o constitucionalismo do estado de exceção que arvora o memorando de entendimento com a troika em lei fundamental de facto para, a partir daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado na Constituição da República. Ora, mais do que qualquer outro órgão de soberania, o Presidente da República está obrigado a fazer escolhas claras entre esses dois constitucionalismos. É nessas escolhas que o presidente evidencia – ou não… - a sua lealdade ao povo e à democracia. Ora, a verdade é que Cavaco Silva tem feito essas escolhas claras.

Na tensão entre o povo que o elegeu e a troika que se lhe contrapõe, Cavaco Silva nunca se furtou a assumir-se como garante de aplicação do memorando com a troika e das políticas nele inspiradas. Quando a legalidade constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a excecionalidade imposta do exterior entraram em choque, Cavaco Silva expressou sempre com clareza a sua prioridade: impedir que a Constituição incomode os mentores do estado de exceção. De tal modo essa escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de defesa do Tribunal Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre ele exercidas por entidades internacionais como a Comissão Europeia. Qualquer presidente com pergaminhos de patriotismo – fosse de direita ou de esquerda – o teria evidentemente feito. Cavaco Silva escolheu não o fazer. Escolheu um lado.

Cavaco Silva assume-se como o melhor presidente imaginável para um protetorado, ou seja, um amigo leal dos tutores, mesmo quando – ou sobretudo quando – seja necessário impor a vontade deles contra os direitos do povo. A democracia portuguesa fica claramente empobrecida com os mandatos presidenciais de Cavaco Silva. O ciclo político que está a aproximar-se exige um pólo presidencial liderado por alguém nos antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos direitos, um combatente inequívoco pela Constituição, um patriota contra a humilhação do país, alguém que a grande maioria das pessoas – os mais pobres – sintam como seu defensor. Um defensor do povo contra quem lhe faz mal.


 
 
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José Manuel Pureza



 
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