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27-10-2013        Público [Revista 2]

As janelas e portas das casas de Madryn Street estão emparedadas. Todo o bairro vai ser demolido em breve. Ringo Starr nasceu no número 9. Esteve perto da morte várias vezes na infância; a mais sonora foi no bombardeamento alemão que destruiu parte da rua.

O guia mostra-nos uma fotografia com correspondência amontoada à porta da casa de George Harrison, em Mackets Lane, 174, no regresso da primeira viagem à América. O que vemos confere.

Seguimos em suspense. Chegamos a Menlove Avenue, Mendips, 251, a casa onde John Lennon viveu com a tia Mimi. Não muito longe mas com o espaço a contar aceleradamente paramos em Forthlin Road, 20, onde morava Paul McCartney.

Está tudo na arquitectura. As casas dos Beatles são pequenas; as fachadas, opacas. Apenas a de John tem bow windows, e as luzes acesas, numa avenida larga. São em pleno subúrbio, longe do centro de Liverpool e da sua digna monumentalidade.

A ideia de dois destes rapazes a percorrer estas longas ruas, tocando frente a frente no minúsculo vestíbulo de Mendips ou compondo as primeiras canções em Forthlin Road, esmaga a nossa imaginação. Este é o espaço de uma das grandes histórias do século XX. Do cemitério de St. Peters Church vemos o lugar onde os Quarrymen, a banda de John, tocavam empoleirados numa carrinha. No dia 6 de Julho de 1957, depois de actuações seguidas atentamente, Paul decide apresentar-se. Aí perto, dobrando uma apertada curva, entra no Church Hall; "that was the day that it started moving", dirá John.

O que mais impressiona é o acaso que gera a arquitectura dos Beatles; o urbanismo igualitário que se move no sentido de uma convergência espacial única. E, mais do que o talento brutal, a pura determinação destes rapazes. Mas a história dos Beatles, na sua enorme beleza sobrenatural, é também uma história triste. O Dakota Building em Nova Iorque, onde John Lennon morreu, é a imagem do orfanato de Strawberry Field para onde ia brincar.

Esta permanência da arquitectura perturba; Strawberry Fields Forever passa a ser sobre a morte. E a beleza é arrancada a Penny Lane, como um truque de magia.

Nestas duas canções, os Beatles memorializam o espaço em que há poucos anos habitavam; este é o tempo cósmico em que se movem. No início, a distância que os separa do centro de Liverpool parece mais insuperável que a que os guiará ao centro do mundo. Dado esse pequeno passo, é como quem toca na Lua.

Por coincidência cósmica, Paul McCartney fala-nos destes Early Days no novo disco: " Two guitars across our backs/ we would walk the city roads..." Estas ruas que entram no quarto do Hospital dos Lusíadas; a Simone nasceu; e com os Beatles celebramos o segredo do universo.


 
 
pessoas
Jorge Figueira



 
temas
arquitetura    liverpool    beatles