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17-10-2013        Visão

O meu trabalho profissional  leva-me  a  viajar  por  vários  países.  Asexperiências que colho,  não  podendo confirmar ou infirmar as  hipóteses  de trabalho  que  orientam  o  meu  trabalho  científico,  dão-me  informações preciosas sobre o pulsar do mundo, sujeito a pressões globais, mas de modo nenhum  unívoco  nas  repostas  que  lhes  dá.  A  pretensa  ausência  de alternativas para problemas ou conflitos concretos num dado país não passa de um argumento útil a quem está no poder e nele se quer perpetuar.  No passado  mês  de  Julho,  pude  conviver  de  perto  com  os  camponeses moçambicanos  em  luta  contra  a  atividade  mineira  e  os  projetos agroindustriais que os expulsam das suas terras e os realojam em condiçõessub-humanas,  destroem  a  agricultura  familiar  que  em  grande  medida alimenta  a  população,  contaminam  as  águas  dos  rios,  destroem  os  seus cemitérios,  e  frequentemente  os  submetem  a  repressão  policial  violenta. Tudo  em  nome  do  progresso  e  do  crescimento  económico,  mas  de  facto apenas  para  permitir  lucros  escandalosos  às  empresas  multinacionais envolvidas  (muitas  delas  brasileiras)  e  rendas  parasitas  às  elites  políticoeconómicas  locais.  Os  contactos  entre  camponeses  moçambicanos  e brasileiros foram cruciais para fortalecer a sua luta  através  da solidariedade internacional e alimentar a esperança de que a resistência possa ter êxito.

Há  duas  semanas,  no  Chile,  vivi  momentos  de  emoção  frente  ao Palácio  de La Moneda  onde há quarenta anos o Presidente eleito Salvador Allende  foi  deposto  pelo  golpe  de  Pinochet,  preparado  por  uma  forte campanha  de  desestabilização  orquestrada  por  Washington,  muito semelhante à que está a ser orquestrada agora contra Venezuela, facilitada por  alguns  erros  de  um  chavismo  que  não  sabe  existir  sem  Chávez.  Em vésperas de eleições, as marcas da ditadura continuam a assombrar as elites políticas e vida social dos chilenos. A privatização  da educação, da  saúde  e da  segurança  social (as mesmas políticas que hoje se implantam no nosso país)  tiveram  consequências  devastadoras  para  o  bem-estar  da  grande maioria  da  população,  e  a  provável  vitória  de  Michelle  Bachelet  poderá representar  o  esforço,  ainda  que  limitado,  para  reverter  a  situação  de desproteção  social que avassala o  país. Estará Portugal condenado a repetir a história do Chile, no nosso caso, esvaziando a democracia para depois lhe tentar  devolver  algum  significado?  Para  simbolizar  que  as  continuidades sempre  convivem  com  rupturas, no  dia  anterior  à  minha partida ,  mais  de 50.000  chilenos  e  chilenas,  na  maioria  jovens,  desfilaram  numa  arrojada marcha  de  orgulho  gay,  como  que  dizendo  que,  tal  como  os  estudantes revoltados de 2012 e os povos mapuches em luta contra o saque dos seus recursos  naturais,  são  parte  de  um  novo  Chile  pós-conservador  e  pósneoliberal.

Escrevo esta  crónica  a  partir da  Cidade de  México. Dias antes,  em Guadalajara,  tive  um  encontro  com  representantes  do  povo  Wixarika  em luta  contra  uma  empresa  mineira  canadiana  autorizada  pelo  governo mexicano  a  extrair  minério  a  céu  aberto  nos  seus  territórios  sagrados  de Wiricuta,  São  Luís  de Potosi. Basta este nome para mostrar a continuidade o saque dos recursos naturais destes povos desde o  início  da  colonização espanhola  até  hoje.  Tal como em Moçambique, no  Chile  ou  no  Brasil,  a solidariedade  internacional  e  o  envolvimento  de  órgãos  da  ONU  serão importantes  para  fortalecer  a  resistência  contra  estes  megaprojetos  feitos sem  consulta  às  populações,  com  as  mais  graves  violações  dos  direitos humanos  e  do  meio-ambiente.  Entretanto, o  governo  priista  propõe  uma reforma  educativa  com  um  perfil  semelhante  à  que  está  a  ser  feita  em Portugal. E, tal como cá, também os sindicatos dos professores do México protestam massivamente contra as reformas. Os sindicatos mexicanos são muito fortes e, apesar de o governo os tentar enfraquecer, adotam formas de luta que incluem ocupação de edifícios públicos e praças, bloqueamento de estradas, ou anulação das portagens nas autoestradas. Estes exemplos mostram que merece a pena continuar a lutar por um mundo mais justo e ecologicamente mais equilibrado. Os que lutam podem ter a certeza de que não estão sozinhos.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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