Estamos no cielo, o último dos quatro pisos do restaurante-discoteca-torre do inferno Andrés D.C., a coqueluche de Bogotá, na notória "Zona Rosa". Ao lado, o El Retiro é um shopping redundante porque o comércio chique está na rua. Sem aviso, o tecto abre-se e o céu fica à vista para todos os fumadores. O cheiro da comida para 800 pessoas de pé e 800 sentadas confunde-se com o som da música também em alto volume, num sincretismo apocalíptico, la rumba em todo o seu esplendor. Um caderno de 32 páginas permite 800 escolhas que lemos com atenção enquanto Shakira canta Waka Waka it"s time for Africa. Subimos do inferno até ao céu por umas escadas metálicas S&M, com todos os che guevaras do mundo latino a conquistarem cada pedaço de parede.
Horas antes tínhamos estado na Igreja de San Ignacio, primeira pedra em 1610, no centro de Bogotá, a contemplar o restauro a cargo de Lina Beltran. Também perto do céu mas com uma iconografia do "fim do mundo" noutro estilo. O padre Gabriel Izquierdo é o mestre-de-cerimónias mas usa um waka waka diferente. Gentil e sabedor, fala dos padres jesuítas de há 400 anos como se estivessem hoje connosco.
Estamos ao lado da Plaza de Bolivar, onde a carrera séptima se transforma num percurso pedonal de grande escala e sucesso. No intenso vaivém, as mulheres visam uma aproximação a Sofia Vergara, a actriz colombiana da série Modern Family, ou são boteritas (chamo eu às figuras representadas por Fernando Botero). A luta é feroz entre uma verticalidade ameaçadora e uma horizontalidade de complexa elegância. Os homens seguem o seu caminho.
Em todos estes lugares há um sincretismo de traços arcaicos, pré-colombianos, gringos, ricos e pobres, boteritas e Vergaras wannabes. Táxis de pequena dimensão, busetas e outros buses, são apanhados corpo a corpo. A extrema fisicidade e o tempo longo confundem-se; tudo é tradição; tudo é presente. As raparigas usam brincos que podiam ter saído do Museu do Ouro, se este tivesse uma secção dedicada ao plástico.
Recortadas no Monserrate, as Torres do Parque, de Rogelio Salmona, são um belíssimo testemunho do modo como a arquitectura moderna na América Latina é a tentativa de tomar o pulso ao século XX e criar uma mediação entre o arcaísmo e um fulgurante desejo de futuro.
Toda a gente me fala de Medellín, que não visitei, e de Alejandro Echeverri, o consultor da câmara que transformou a cidade - um dos mais notórios centros do narcotráfico até à morte de Pablo Escobar - através da arquitectura e do urbanismo: construindo bibliotecas, espaços públicos, escolas.
Talvez as notícias da morte da arquitectura sejam exageradas. Na televisão, fala-se dos guerrilheiros das FARC e do planeamento urbano em Bogotá. Mais um sincretismo: planear a cidade, viver na montanha.