Um crítico a explicar uma crítica que escreveu? Má ideia.
Então aqui vai. O texto publicado no Ípsilon sobre a exposição ARX arquivo/archive (2/8/2013) mereceu comentários violentos, como se eu tivesse agredido os arquitectos, a sua obra e, quem sabe, a própria arquitectura. "Exagerado" e "arrogante", terei sido, no mínimo. Costumo associar esses dois conceitos a uma boa crítica, mas isso não significa que tenha sido o caso.
Eu estimo o Nuno e o José Mateus, e a sua obra, sobre a qual já tive a oportunidade de escrever várias vezes. As exposições de arquitectura são, no entanto, um objecto diferente de um edifício, do ponto de vista do exercício crítico. Nas exposições, o arquitecto estabelece, com o curador, um texto sobre a sua própria obra. No limite é esse texto que está em questão, e não a obra.
A exposição no CCB pareceu-me de tal forma impressionante (como então escrevi), no modo como exibia cruamente centenas e centenas de maquetes, que me pareceu que a crítica devia tentar ser igualmente radical. Não era uma exposição qualquer; não podia ter uma crítica qualquer.
Aquilo que chocou os meus críticos mais sensíveis foi a utilização do termo "pornografia". Referia-me à exibição literal, repetitiva, obsessiva, detalhada, de inúmeras maquetes, ao ponto da saturação. Mas também ao mítico texto de Manfredo Tafuri, L"Architecture dans le boudoir, que cita o Marquês de Sade para descrever a condição contemporânea da arquitectura: "Quando o que está em jogo é sexo, tudo deve falar de sexo." Isto é, a condição de uma arquitectura obcecada por si própria. Um dos arquitectos a que Tafuri se refere é exactamente Peter Eisenman, com quem Nuno Mateus trabalhou.
O tempo do proselitismo à volta da arquitectura acabou. Os arquitectos portugueses já tiveram oportunidade para provar o seu valor e provaram bem, especialmente a ARX.
Há gente formada que parece não perceber que a crítica não é uma revisão "grata" e "justa" do trabalho dos arquitectos, especialmente numa exposição. Visa a criação de um texto que pode ter a sua autonomia; por isso se lêem críticas de livros ou filmes que nunca iremos ver. Para quem quer ter a vida facilitada, existem as estrelas (no caso, quatro em cinco).
E, de facto, a ideia de uma arquitectura de génese "desconstrutivista" colocada em caixas - isto é, uma arquitectura a querer "sair da caixa", aprisionada em caixas - pareceu-me um paradoxo cruel. O título do texto, Cemitério de arquitecturas, era também uma referência ao livro de Miguel Esteves Cardoso, O Cemitério de Raparigas. E tendo em conta a negação da "forma" e do edifício que hoje se usa em certos meios, pareceu-me que a exposição era pujantemente fúnebre.
Enfim, um crítico a explicar uma crítica... Eu tinha avisado.