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29-08-2013        Jornal Sénior    [ pág. 9 ]

O artigo 2° da nossa Constituição, único no panorama europeu, propõe um interessante paradigma. no qual a democracia representativa é imaginável como um meio para o aprofundamento da democracia participativa.

O quadro normativo e a estrutura organizacional do Pais não foram estruturados com esse Intuito ao longo das últimas décadas, mas essa visão ainda nos pode iluminar, sendo que nenhuma reforma constitucional alterou esse artigo. A Interpretação dos nossos representantes políticos do seu papel na sociedade seguiu um caminho diferente, centrado na necessidade de decidir rapidamente para todos os outros (mas sem eles), de forma rápida e aparentemente eficiente. A crise económico-financeira em que estamos hoje, revela os falsos mitos com que se trabalhou, sem sequer conseguir eficiência, eficácia e sustentabilidade das políticas públicas. O entusiasmante período que seguiu à entrada na então Comunidade Europeia, deixou-nos aldeia de que necessitávamos de gastar logo o dinheiro à disposição, mudar o teor de vida (independentemente da sua sustentabilidade no tempo) e simular um cuidadoso planeamento do desenvolvimento para inglês ver, sem usá-lo como oportunidade para imaginar colectivamente o futuro. Entre os falsos mitos que guiaram a acção política, houve a ideia que quanto mais rápidas as decisões tomadas melhores seriam a participação dos habitantes foi lida como obstáculo que levaria a atrasos. A Lei 46/2013 aprovada em Julho na Região da Toscana (revisão de uma lei anterior de 2007. que torna um amplo debate público necessário para todas as obras públicas acima de 50 milhões) já reconheceu o contrário o tempo gasto em sérios e envolventes processos participativos facilita a Implementação e a sustentabilidade das medidas de interesse público.

Hoje chegou o momento de inverter a marcha e repensar colectivamente o novo Portugal que nos espera depois da desejada saída do túnel. Fazê-lo não será simples, porque é preciso eliminar o hábito de um certo paternalismo político e reconstruir o espirito cívico mas, sobretudo, o entusiasmo necessário para estarmos juntos para discutir, propor e escolher alternativas, acreditando que este desgaste de energia vai produzir algum resultado. De facto, o obstáculo maior a esta transformação é o que o Boaventura Sousa Santos chama a “dupla patologia das democracias liberais”: Estamos tão convencidos que a democracia representativa não funciona, que não queremos participar, certos que ninguém nos escutará. Portanto, cabe aos políticos dar um passo atrás e abrir espaços de co-decisão que despertem o fogo criativo que existe por debaixo das cinzas da sociedade portuguesa.

Muitas autarquias começaram o caminho, e as próximas eleições poderão reforçar este rumo. Nos últimos anos, tive a sorte de trabalhar ao lado de vários Orçamentos Participativos, em Lisboa, Cascais, Condeixa, Trofa. Ainda que com limitações, vão crescendo, revelando uma sociedade activa, criativa, capaz de levar em frente desafios e projectos; mas também autarcas que começam a assumir - para si e para seus corpos técnicos - um papel menos paternalista, não de meros decisores mas de facilitadores de um debate público que possa trazer nova luz sobre os bens comuns e dar espaço para às cidadãos amadurecerem e aprenderem a lidar com a complexidade da administração do território. O limite maior destas experiências é que elas ainda tratam de pacotes limitados de fundos, e não afectam nem a transparência do orçamento geral nem dialogam com o planeamento de médio e longo prazo. Mas a sua evolução é rápida e progressiva, aproveitando o experimentalismo que a maior informalidade da democracia participativa permite.


 
 
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Giovanni Allegretti