Esqueçam a "sustentabilidade" e o juízo, o que nos faz falta é literacia pop. E, desde logo, uma abordagem mais pop da língua. Esqueçam a City e Wall Street: o mundo anglo-saxónico domina porque a língua inglesa é a que tem maior número de palavras. O nosso maior défice é de vocabulário. E, no entanto, os neologismos são tratados com desprezo e a introdução de novas expressões tem de passar pela polícia da língua. Sempre que alguém da brigada do reumático pronuncia um qualquer novo palavrão tem de acrescentar: "Como agora se diz." Este "como agora se diz" quer mostrar distanciamento crítico, mas na verdade revela um guilty pleasure. Estamos cheios de culpa em relação ao prazer que nos dão as palavras novas e os novos sentidos dados às palavras velhas.
A cultura pop produziu a televisão, instalou-se na música e encontrou a sua morada permanente na Internet. Os seus enigmas são perturbantes e afligem-me diariamente. Por exemplo: não percebo o significado dos três tijolos no chão, no programa Governo Sombra; acho discutível a tradução de catchphrase por bordão; a mesa do Telejornal da RTP terá sido desenhada pela Zaha Hadid?
Na política, a diferença entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas não tem que ver com "inteligência", como se diz, mas com literacia pop. Portas fala com soundbytes e tem a gravitas de um actor: é um político pop. Por isso sobrevive. A demissão em Julho parece decalcada de um episódio de 30 Rock com Portas como Jack Donaghy e Passos Coelho como Liz Lemon.
O "Professor Marcelo" é uma sitcom radical, com apenas dois actores, o herói e o sidekick, imperturbavelmente sentados a uma mesa. Puro experimentalismo cénico. O formato pop necessita do máximo de previsibilidade e repetição, ao ponto da caricatura, com ligeiros twists ou suspense, como quando Marcelo traz presentes para o estúdio.
É portanto no campo do humor que tem havido mais avanços na literacia e recriação pop em Portugal. Embora, aparentemente, gaguejar a mesma frase duas ou três vezes passe por representação realista, o que é duvidoso. O Canal Q é uma versão 24h do The Office, com a linguagem dos Gato Fedorento, onde, portanto, o que é bom não é original e o que é original não é bom. (Descontextualizar citações é obrigatório numa escrita pop.)
A literacia pop permite estar "em linha com" o tempo, como agora se diz, e simultaneamente desenvolver uma lógica de distanciamento. A única alternativa é ser o Herberto Helder, o que é muito mais difícil. E há uma arquitectura pop? A obra-prima é a Loja Valentim de Carvalho em Cascais, de Tomás Taveira, Sá Nogueira e... Herberto Helder (Atelier Conceição Silva, final dos anos 1960).
Agora é uma loja de vinhos mas, quem sabe, com o regresso do vinil...