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03-08-2013        Jornal de Notícias

Nos últimos dias, em contactos com vista à preparação de trabalho para os próximos meses, deparei-me com reações de amigos e de outras pessoas, justificando-se, ou quase pedindo desculpa, por irem de férias. Uns disseram-me "vou de férias umas semanas, mas levo trabalho e todos os dias responderei ao correio eletrónico". Outros usaram a expressão "vou de férias, mas é só por uns dias".

É impressionante como as pessoas vão naturalizando a perda de direitos. As inseguranças múltiplas, a austeridade irracional que nega a perspetiva de uma sociedade que se afirme pela harmonização no progresso, as precariedades, as incomodidades face aos sofrimentos que nos rodeiam e envolvem, tudo isto nos bloqueia e amesquinha. O rolo compressor do argumentário da "crise" e das suas inevitabilidades atinge-nos de uma forma brutal. Entra no consciente dos indivíduos a "normalidade" do roubo do direito ao trabalho, da prática de salários cada vez mais injustos. É tornada normal a eliminação dos mais elementares direitos laborais e sociais, que sociedades muito menos ricas já garantiram e que constituíram pilares fundamentais do desenvolvimento humano.

Aos trabalhadores, cidadãos plenos em qualquer sociedade moderna e democrática, é-lhes roubado o seu tempo. Ora, sendo o tempo o bem social mais importante depois da saúde - a vida é, desde logo, saúde e tempo -, o trabalhador, ao ver-se desapropriado da gestão do seu tempo e das condições para o viver, fica com a sua vida e a vida da sua família absolutamente infernalizadas.

Nas sociedades modernas, as férias não são um luxo, mesmo em contexto de crise. Elas existem para podermos fazer o que não fazemos quando trabalhamos e estamos no quotidiano da nossa vida, nesta sociedade em que o trabalho tem um lugar central: para descansar do trabalho, garantindo repouso que recomponha forças e capacidade produtiva; para romper com o quotidiano da vida laboral e viver tempo de não trabalho; para ser elemento pleno na família; para ser cidadão que dá atenção à cultura e à convivência social; para construir e viver dimensões outras de um ser humano pleno.

Esta semana, assistimos a mais um episódio de aproveitamento oportunístico da "crise" para aprofundar a precariedade, com o processo de alargamento, por mais 12 meses, dos contratos a prazo. Ouvimos representantes patronais argumentarem, com hipocrisia, que é melhor ter emprego precário do que não ter emprego, como se houvesse seres humanos que, perante a necessidade de sobrevivência, optassem por nada terem em vez de terem qualquer coisa para sobreviverem.

Todos sabemos que os empresários também se deparam com inseguranças e instabilidades no exercício da gestão. Mas, por que é que esses problemas têm de recair, quando existe e quando não existe justificação, sempre e só, sobre as condições dos trabalhadores?

Vivemos paradoxos que é preciso vencer. A sociedade que anunciou os avanços tecnológicos como conquistas para aliviar as cargas no trabalho, libertando os trabalhadores, torna-nos hoje escravos das tecnologias e acentua desigualdades. Por outro lado, os que têm emprego trabalham cada vez mais e em piores condições, para se impor um desemprego em massa que provoca, a milhões de seres humanos, uma desocupação sofrida e a perda de dignidade.

O trabalho moderno e digno requer ensino, informação, comunicação, cultura; exige participação efetiva; que o trabalhador disponha do seu tempo mas o controle; reclama saúde física e equilíbrio emocional; põe em evidência a necessidade de outras atividades, realizações e lazer; potencia a utilização de todo o tempo e das dimensões do não trabalho.

O ócio ativo não é, de forma alguma, uma perda de tempo. Ele tem, historicamente, uma profunda relação com as condições base que permitem aos seres humanos serem efetivamente livres. Além disso, nas sociedades atuais e, em particular, em Portugal, a economia do ócio não pesa pouco na economia geral, na economia do negócio!

Devemos preparar-nos para sermos bons trabalhadores, não como um fim em si mesmo, mas para sermos também e, acima de tudo, cidadãos plenos e seres humanos íntegros e totais.

As férias são um direito e uma necessidade!


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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férias