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18-08-2013        Público [Revista 2]

Veio-me buscar num Mercedes preto, modelo dos anos 1970, e logo no primeiro jantar, na primeira noite, abrimos as hostilidades. Não havia tempo a perder. Quatro dias em Porto Alegre, Brasil, para resolvermos a arquitectura brasileira e portuguesa, num projecto comum. O Carlos Eduardo Comas é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um amigo, e um parceiro. Durante esses dias bebemos muito café e almoçamos bem na sua casa-atelier. Fizemos, como se diz habitualmente, uma "tempestade de cérebros". Discordámos, ajeitámo-nos, fizemos listas e desenhos.

Visitámos o Cassino da Pampulha de Oscar Niemeyer e o Pavilhão do Brasil em Osaka de Paulo Mendes da Rocha, com mútua e forte admiração. Numa breve interrupção pude finalmente "sentir" o Brasil... falei sobre a "Escola do Porto" na Universidade, para uma audiência atenta e conhecedora.

Numa breve manhã tentei rever o centro da cidade com outro amigo, o Flávio Kiefer, mas não saímos do carro e entre as gotas da chuva soube que o mercado público tinha ardido. Com o museu Iberê Camargo por perto fomos até a um shopping. "Ai que prazer/ não cumprir um dever/ ter um livro para ler..."

Fomos falando do "mundo luso-brasileiro", talvez se possa voltar à expressão, e de como o Brasil sentiu um pequeno triunfo com o falhanço europeu de Portugal. A relação entre países, pelo menos entre Portugal e o Brasil, é tão pueril como a relação entre apaixonados: ciúme, ressentimento, make up sex.

Portugal e o Brasil são parecidos no modo como se esforçam por se esquecer mutuamente e serem Europa. Portugal sonha ser europeu, como também o Brasil gosta de se imaginar inglês, italiano, francês; e imagina sempre que pode.

Mas a conversa continuou regressando a Oscar, agora que o luto oficial permite outras folias. Com Comas a convencer-me da erudição de Oscar, para o redimir das várias camadas kitsch com que se foi esvaindo. As "curvas da mulher amada", "as montanhas do meu país", seriam uma estratégia comunista de hipnotização, uma técnica populista para dar a volta ao mundo como deu.

De resto, estaríamos num "mundo clássico", a Sul, fora das veleidades produtivistas e calvinistas do Norte, em que uma sabedoria antiga é infra-estrutural na arquitectura moderna brasileira e permite destacar a arquitectura portuguesa quando a "modernidade" se desbota. Com Álvaro Siza como comovente protagonista e Eduardo Souto de Moura como comentador arguto, já deste lado da história.

No regresso ao aeroporto para o voo nocturno, a chuva impedia-nos de ver a estrada mas não os carros em "filas" compactas e intermináveis. Por quatro dias falámos a mesma língua e eu vi o céu de Porto Alegre pelo pátio arborizado da casa do meu amigo. Durante esses dias, experimentei dizer arquitectura sem "c", e não custou nada.


 
 
pessoas
Jorge Figueira



 
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Portugal    Brasil    arquitetura