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04-08-2013        Público [Revista 2]

A roda, a Via Verde e os serviços de Entrega de Refeições ao Domicílio são algumas das minhas invenções favoritas. E eu nem uso a Via Verde. Mas a Via Verde permite que o automóvel não pare nas portagens, o que é muito prático, e a Entrega de Refeições é um triunfo da comodidade gastronómica. Estamos no domínio do anti-social porque se esvai a oportunidade de socializar com o portageiro e com o chef, respectivamente. Mas sinto que divago.

Liguei o computador, cheguei a casa, escolhi o mesmo restaurante e prato que já devia ter abandonado, e telefonei.

Com uma precisão milimétrica cumprindo o tempo anunciado, a campainha tocou.

Abri a porta milimetricamente e uma rapariga com a mala da comida pronunciou o meu nome. Estranhei a precisão.

E então ela disse: "Fui sua aluna."

Nesse momento, como um verdadeiro computador dos anos 1960, gigantesco, exasperante e com uma memória de rato, procurei encontrar-lhe a ficha nas centenas de alunas que assistiram às minhas aulas.

Percorri Boullée e Ledoux, a "Escola de Chicago", Adolf Loos, John Lautner.

Perguntei-lhe "em que ano", para acelerar o motor de busca, diminuir as opções e provar a minha sublime sageza face ao inesperado.

Senti uma culpa de professor, não sei se existe esta categoria psicanalítica. Já fui professor de muitos alunos e alunas, de quem pude perceber a energia, a alegria, a inteligência, a imoderação, a potencialidade e de quem hoje nada sei.

Posso até estupidamente não os reconhecer. Mentes brilhantes ou pessoas comuns.

Os nossos jovens, ouve-se habitualmente, ou estão muito mal preparados, não sabem escrever, ou são "os mais qualificados de sempre". É uma magia, um mistério. Como é que passam da quadratura para o círculo? Isto é tão tonto e totalitário como dizer: "o mundo não sabe escrever" ou "agora é o mais qualificado de sempre".

Os miúdos e as miúdas são o máximo porque sempre foram e agora podem ser mais acentuadamente. Naquilo que me dizem chamar-se "redes sociais", na vida real, à porta de um ex-professor.

Na universidade, como já escrevi aqui com inesperada repercussão, o aluno é hoje um passageiro frequente (mais ou menos) e o professor um comandante de avião que é obrigado a fazer investigação subaquática quando devia voar alto.

Dizem-me que muitas ex-alunas são agora hospedeiras, por exemplo, na Fly Emirates, o que completa bem a metáfora.

Talvez seja a nossa fase Hollywood: trabalhar nos cafés antes de chegar aos Óscares.

"Já vim cá uma vez, não me reconheceu"; fez uma pós-graduação em joalharia e está a abrir um atelier.

Eu estava sem o hábito e fora da catedral. A minha aluna veio gentilmente dizer-me, percebi depois, que a desatenção devia dar direito a chumbo.


 
 
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Jorge Figueira



 
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