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02-08-2013        Diário de Notícias

Tivesse a coisa acontecido no Irão, na Coreia do Norte ou noutro qualquer dos países incluídos por Bush no Eixo do Mal e não teria havido estadista ou candidato a tal, do lado de cá do mundo, que não tivesse saído a público com indignação fervorosa em defesa das liberdades, dos direitos humanos e do Estado de Direito. Mas não. Foi nos Estados Unidos da América e os alvos foram dois whistleblowers – a tradução ‘denunciantes’ peca talvez por permitir leituras morais depreciativas – que trouxeram a público justamente atentados graves contra as liberdades perpetrados pelas autoridades civis e militares de Washington. E o indignado discurso de defesa dos direitos cedeu num instante à retórica da defesa do interesse nacional americano e da luta contra o terrorismo (onde é que nós já ouvimos isto?).

Os casos de Bradley Manning – que denunciou publicamente práticas de tortura na guerra contra o Iraque ou as hipocrisias diplomáticas que dominam a política internacional – e de Edward Snowden – que revelou a vigilância ilegal a que o governo americano sujeita a privacidade de qualquer cidadão naquele país – mostram como o interesse nacional e os direitos humanos são tidos como bons ou maus consoante a nacionalidade dos seus titulares. O certo é que Manning foi privado de direitos básicos que lhe assistiam, a começar pelo de ser julgado com celeridade. Foi sujeito a um tratamento cruel e desumano, primeiro no Kuwait e depois na penitenciária de Quantico onde ficou em regime de isolamento total durante 11 meses numa cela exígua, obrigado a dormir nu e a estar deitado no chão durante horas seguidas. Tudo porque Manning rompeu o segredo de estado e revelou documentos classificados contendo provas de tortura e de violação do Direito Internacional pelas tropas norte-americanas no Iraque e telegramas diplomáticos que exibem a corrupção, a pressão ilegítima ou a hipocrisia que povoam as relações internacionais. E não, não deu esse material à Al Qaeda, mas sim ao Washington Post e ao New York Times. A hesitação destes deu espaço para o surgimento do Wikileaks.

Snowden vive hoje confinado à área internacional do aeroporto de Moscovo porque pôs à luz do dia o gigantesco programa de escutas ilegais da National Security Agency, que violam a privacidade de quem quer que seja na expetativa de que algures venha a ser detetado um terrorista.

A vigilância do Grande Irmão é hoje uma indústria em alta. O orçamento norte-americano para espionagem é da ordem dos 80 mil milhões de dólares, dos quais 56 mil são para contratos com empresas privadas. Cerca de 1300 estruturas públicas e 1950 entidades privadas trabalham nos Estados Unidos em programas de contraterrorismo, espionagem e segurança nacional, originando a publicação de 50.000 relatórios por ano. E sabe-se que todo o poder gera mais poder para si próprio: neste caso, difundindo um clima de medo de uma ameaça nunca identificada e apostando no segredo como dogma. Mas a pergunta é: 50.000 relatórios anuais de vigilância interna ilegal evitaram as bombas na maratona de Boston? A violação do primado da liberdade serve para alguma outra coisa que não a da fragilização da liberdade?

A informação aberta é uma dor de cabeça para os poderes que violam a dignidade e a lei. Por isso, postos diante da revelação dos seus desmandos, tratam de inverter papéis e condenar o mensageiro por ser portador da mensagem que eles não querem ver conhecida. A condenação de Manning a 136 anos de prisão e a perseguição internacional a Snowden mostram que o fantasma de Joseph McCarthy tem hoje muito mais força na Casa Branca que o espírito de Martin Luther King. E isso é uma péssima notícia.


 
 
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José Manuel Pureza