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25-07-2013        Visão

A última cambalhota do Presidente da República mostra que o país atravessa um momento de irracionalidade tal que torna tudo imprevisível. Os decisores políticos não são irracionais mas as condições em que se resignam a operar obrigam-nos a agir como se fossem. Para serem coerentes, as decisões políticas têm de ter um só ponto de referência. Em democracia, esse ponto é a vontade dos cidadãos, e os conflitos decorrem das diferentes interpretações dessa vontade. Atualmente, em vez de um, há dois pontos de referência: a vontade dos cidadãos e a vontade dos mercados financeiros. Nas condições presentes, as duas são inconciliáveis. O PR disse numa semana que era fácil conciliá-las e, na seguinte, que só a vontade dos mercados conta. Um decisor deste tipo acabará por "ser decidido" por fatores que o ultrapassam e que não pode prever. Dada a irracionalidade instalada, tais fatores, vistos de fora, são afinal os mais previsíveis. Vou-me referir a alguns deles.

1. Em condições de tutela internacional, quem decide não é quem diz decidir e quem tem poder para decidir não revela motu proprio os limites do seu poder. Por isso, as alternativas ou a capacidade de manobra concretas só se revelam aos que se dispuserem a questionar a tutela. Tal questionamento implica, neste caso, ter a vontade dos cidadãos como único ponto de referência. Se tal questionamento ocorrer, será possível prever uma agenda concreta pautada pelo seguinte. O que há meses era evidente apenas para os dissidentes é hoje evidente para todos os governantes europeus: as políticas de austeridade estão a conduzir ao desastre a Europa e não apenas os países do sul; nos EUA, donde veio a ortodoxia económica e financeira que nos domina, o Estado não tem qualquer problema em intervir na economia sempre que o mercado descarrila; a dívida, no seu atual montante, é impagável; é técnica e politicamente complicado mas possível recomprar parte da dívida abaixo do valor nominal com total proteção da dívida que não pode ser tocada; o mesmo se diga de uma moratória ao pagamento do serviço da dívida enquanto durar uma negociação com os credores; a mutualização europeia da dívida já está em curso e deve ser aprofundada; várias condições do memorando da troika têm de ser alteradas em função das mudanças macro-económicas; em diferentes momentos foi isto que fizeram outros países sufocados pela dívida, nomeadamente a Alemanha; é de todo legal que o Estado acione os poderes que a crise lhe conferiu (depois de lhe tirar muitos outros); assim, o Estado, ao recapitalizar alguns bancos, tornou-se o acionista maioritário e pode acionar os poderes que tal posição lhe confere, sem extrapolar do direito privado; o Estado pode introduzir por essa via alguma política industrial com crédito direcionado para as PMEs e certos sectores da indústria.

2. A agenda que acabei de descrever só pode ser levada à prática por um governo dotado de uma legitimidade democrática reforçada, o que só é possível mediante eleições antecipadas. A desastrada iniciativa do PR teve apenas um mérito: obrigar o PS a mostrar a sua alternativa. Ela é hoje mais clara. As medidas propostas pelo PS são muito positivas mas contêm uma contradição: pressupõem uma reestruturação da dívida que envolva o seu montante. Um acordo de incidência parlamentar com outros partidos de esquerda pode reforçar a legitimidade para avançar por aí.

3. O capital financeiro pressiona os Estados mas não o faz de modo uniforme. O poder executivo tende a ser mais vulnerável, logo seguido do parlamento. Já os tribunais, e, em especial, o Tribunal Constitucional, são mais imunes a tais pressões. Os despedimentos na função pública e os cortes nas pensões são inconstitucionais e é de prever que o TC não se demita da sua função de último garante da coesão social e da democracia consagradas na Constituição.

4. O mais imprevisível pode, de repente, tornar-se o mais previsível. Refiro-me à revolta dos cidadãos nas ruas e nas praças, inconformados com a indignidade a que as instituições e os governos os sujeitam. Não há nenhuma sociedade que não conheça a palavra Basta!


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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