Esta semana tivemos acontecimentos de grande significado, desde logo, o processo de negociação do Governo com os professores, a declaração conjunta das organizações patronais, a greve geral com os seus objetivos ajustados e realização com impacto e, no plano europeu, a expressão da impossibilidade de qualquer saída para a "crise" mantendo-se o cenário de políticas e de atores dominantes.
Destes acontecimentos resultou um conjunto de confirmações quanto à situação política em Portugal: i) importante alargamento da condenação das políticas de austeridade e da tese das inevitabilidades; ii) necessidade imperiosa de uma governação que oiça e interprete os interesses e propostas dos diversos setores da sociedade; iii) urgente mudança de rumo político, o que já só será possível com outro governo; iv) existência de capacidades e possibilidades "para agregar, num processo coletivo", múltiplos setores da sociedade para a definição de uma saída da crise; v) imprescindibilidade de um processo social e político capaz de gerir diferenças relevantes quanto a objetivos estratégicos, mas que seja agregador, processo que necessita de uma base social e política bastante reforçada com as propostas e a ação das forças de Esquerda.
"... Não aceitamos que a política seja feita de inevitabilidades (...). De uma vez por todas há que ter a coragem de o assumir, e a ousadia de não insistir numa receita que não é uma solução para Portugal, e cuja continuidade nos pode levar para um caminho sem retorno." Parece linguagem sindical? Não é. Os autores são as quatro principais confederações patronais.
Não é o primeiro sinal, mas esta formulação é inédita. A declaração conjunta das organizações patronais é, assim, um sinal de que uma aliança se quebrou - a aliança entre os objetivos gerais e programa das organizações patronais e as políticas executadas pelos partidos de Direita no Governo.
Isto não significa que as confederações patronais se estão a afastar dos partidos de Direita. O Governo é que abandonou a interpretação de interesses imediatos e de futuro de milhares e milhares de empresários (não de todos), adotando as agendas e as prioridades que prevalecem em esferas supranacionais, onde as dores da esmagadora maioria dos empresários portugueses nada contam.
As confederações patronais estão a ficar (por agora) sem braço político, por assim dizer desamparadas, desazadas. Para onde se irão voltar? Estão dispostas a algum rompimento com o "arco do poder" instalado e a considerar outras realidades?
Falam, por um lado, em "convencer o Governo a reconhecer que o programa que resgatou a vida e a alegria dos portugueses falhou, que é preciso urgentemente tomar medidas para salvar o país da recessão e do abismo que se adivinha se nada for feito com celeridade". Que farão se nada conseguirem "pela persuasão" e se prosseguirem na gestão dos seus interesses alimentando-se de concessões dos poderes dominantes?
Falam, por outro lado, em "compromisso histórico" (curiosa expressão...), piscando o olho a outros parceiros sociais que não nomeiam. O que terão as confederações patronais a propor aos trabalhadores portugueses?
As políticas impostas pelo Governo PSD/CDS dão cabo dos negócios e, acima de tudo, das condições de vida das pessoas. A agenda política tem de considerar a agenda económica, mas não pode dispensar a agenda social se queremos viver em democracia.
Os patrões portugueses que queiram resolver os problemas económicos, numa sociedade democrática, sabem que faz falta a atualização do Salário Mínimo Nacional, a efetivação da negociação coletiva, a existência de motivação dos trabalhadores imanente à existência de direitos laborais e sociais. Sabem que as alterações à legislação laboral dos últimos anos, na aplicação irresponsável de uma agenda neoliberal, gerou medos e condicionalismos nos trabalhadores, visíveis na greve geral e no dia a dia, que os limitam no exercício dos seus direitos, mas também na sua motivação.
Na formulação do tal "processo coletivo", a recomposição de equilíbrios de poder entre trabalhadores e patrões tem de entrar na agenda.
A democracia exige diálogo. Com todos os setores da sociedade, considerando anseios, compromissos e direitos inalienáveis.