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21-06-2013        Diário de Notícias

Passaram três dias sobre a apresentação do estudo da Caritas sobre as políticas de combate à pobreza em Portugal. Com a suprema autoridade de quem fala a partir de um conhecimento adquirido num quotidiano de presença na realidade da vida dos pobres – os declarados e os muitíssimos outros – a Caritas veio mostrar o país que somos: um país em que o risco de pobreza atinge 23,5% da população. Mas, mais que esse número da vergonha nacional, a Caritas diz sobretudo outra coisa a Portugal: sendo a causa principal da pobreza os salários baixos e as pensões miseráveis, não há socorro nem políticas de resposta que, a manter-se este padrão de salários baixos, consigam combater eficazmente a pobreza entre nós.

Menos de uma semana volvida sobre esta advertência – mais uma – da Caritas, o Governo responde com a aprovação do guião para a reforma do Estado. Em bom rigor, o governo não aprovará nada. Porque o seu guião está há muito aprovado pela Troika e consiste em algo muito simples: operar um corte de 4700 milhões de euros na despesa pública em 2013 e 2014. E não é só o final do filme que está escrito, é todo o enredo: 777 milhões cortados até ao fim do ano em relações de trabalho no Estado, mais 334 milhões nos chamados consumos intermédios e 300 milhões em “outros”. O guião é de quem guia – a Troika – e quem guia virá em julho assegurar-se de que o guião foi assumido pelos seus representantes em Portugal.

Se o Governo da Troika responde com despedimentos e com cortes na saúde, na educação e na segurança social ao estudo da Caritas, Cavaco respondeu-lhe com um guião de ataque à supremacia do Estado Social sobre o assistencialismo social. Na própria sessão de apresentação do estudo da Caritas, Cavaco comunicou ao país os três traços do seu guião. Primeiro: a construção do Estado Social em Portugal terá, segundo ele, adotado uma lógica “centralizadora de intervenção direta da administração do Estado, muitas vezes marginalizando a ação das organizações de base territorial” – tradução: para que é que o Estado se foi meter onde já estavam as Misericórdias e organizações afins? Segundo traço do guião cavaquista: “criou-se uma cultura de protecionismo social protagonizado pelo Estado, desresponsabilizando de algum modo os cidadãos e menosprezando os valores da cultura cívica, da participação, do voluntariado e do espírito de solidariedade” – tradução: o reconhecimento pelo Estado de direitos e a sua ação em conformidade gera subsidiodependência e falta de empreendedorismo. Terceiro traço do guião: a prestação de apoio por outras entidades que não o Estado contrapõe “uma dimensão mais humanizada à alternativa burocrática que o Estado oferece – tradução: um Estado Social baseado em direitos e em prestações sociais que lhes dão densidade concreta é um monstro de funcionários e de anonimato desumanizador.

Os guiões da Troika e de Cavaco Silva completam-se. Um e outro escrevem uma história em que o Estado é o mau da fita. Um quer diminuir o Estado para abrir novas áreas de negócio para os privados. O outro quer um Estado diminuído para reabrir espaço para as assistências socio-caritativas locais. Um e outro dão a pior das respostas ao repto que é o retrato de Portugal plasmado no estudo da Caritas: é porque há um Estado que reconhece direitos e que assegura prestações sociais que o risco de pobreza não é explosivamente maior em Portugal. Contra todas as modas do momento, uma reforma eficaz do Estado só pode reforçar a sua responsabilidade social, nunca diminui-la.


 
 
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José Manuel Pureza