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31-05-2013        Diário de Notícias

Por que é que a direita se entende facilmente para formar governo? A resposta é simples: porque tem um programa. Para lá das diferenças de sensibilidade, de linhagem e de ambição, a direita toda tem um só programa. A facilidade com que se une vem aliás da simplicidade extrema desse programa: contra-reforma, desregulação, apropriação do Estado para o docilizar no serviço aos donos de sempre de Portugal.
Esse programa de direita para o país tem no atual Governo um intérprete de invulgar convicção: o Governo decide o que decide e faz o que faz não porque “tem que ser”, não porque “o mundo mudou e temos de nos adaptar às novas circunstâncias ainda que não gostemos delas”, mas porque assume que quer diminuir os direitos do trabalho (a começar pelos seus rendimentos), porque assume que os serviços públicos devem dar lugar a áreas de negócio, porque assume a convicção de que há democracia a mais em Portugal – a democracia social, económica e cultural – e que, nesse sentido, o desígnio nacional é mesmo diminuir o espaço da democracia.

A austeridade é a pedra de toque desse programa. Cortar salários e pensões, privatizar serviços públicos, diminuir prestações sociais, flexibilizar a regulação das relações laborais são os seus eixos. O balanço da sua aplicação está aí: um país mais pobre, com uma economia mais débil, com um endividamento cada vez maior, com pessoas desanimadas e desesperançadas, um desemprego gigantesco e uma precarização sempre mais acentuada das vidas da grande maioria. O que estava mau há dois anos está hoje bem pior – essa é a avaliação que cada vez mais gente faz da aplicação do programa da direita para Portugal e para a Europa.
A política de punhos de renda insistirá na alternância. Mas este programa não comporta alternância possível. Só alternativa. Essa é a responsabilidade da esquerda: dar ao país um programa realmente alternativo ao que nos tem governado. O estado do país e o sofrimento das pessoas não exigem menos que isso. E ou é um programa claro, que parta de opções inequívocas, ou é um embuste.

Há duas opções fundacionais que delimitam o campo da convergência necessária. A primeira é a de que à austeridade bruta não se opõe austeridade “razoável”. Manter a carga fiscal arrasadora sobre o trabalho e juntar-lhe depois uns salpicos de políticas sociais para contenção de danos não é alternativa, é um embuste.

Cortar um bocadinho menos no Serviço Nacional de Saúde e desqualificar um bocadinho menos a escola pública não é alternativa, é um embuste. A segunda opção delimitadora do espaço da convergência é a de que os compromissos internacionais não são mais importantes que os compromissos internos. Pelo contrário: ou servem para honrar os compromissos internos ou não os queremos. E para honrar os compromissos com uma vida inteira de descontos dos reformados ou dos desempregados, para honrar os compromissos com um povo pobre e castigado em matéria de educação, de saúde ou de habitação, um governo corajoso tem que denunciar o memorando da troika porque ele serve os interesses dos credores mas opõe-se à dignidade dos cidadãos. E é para honrar os seus compromissos com as pessoas que um governo corajoso tem que afastar o país de um pacto orçamental europeu que, ao impor o diktat do défice zero proíbe na prática um país como Portugal de ter democracia social.

É do compromisso com um programa claro, fundado em escolhas fortes, que se trata cada vez mais. Todas as convergências que vão neste sentido são importantes. Todas as outras são criadoras de ruído. E é de clareza e não de ruído que precisamos.

 


 
 
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José Manuel Pureza