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26-05-2013        Público

No Norte da Europa, a crise não se vive duramente como aqui. Mas há já alguns anos se dava conta de uma "mudança" que o Sul está agora a pagar caro. O percurso de Rem Koolhaas, arquitecto da Casa da Música, é a esse respeito esclarecedor e a proposta que apresentou recentemente como curador da Bienal de Veneza de 2014, particularmente reveladora.

Se, no século XX, Le Corbusier foi o primeiro grande arquitecto pedagogo, Koolhaas é o primeiro grande arquitecto intelectual. O seu pensamento está à frente da obra, que às vezes lhe toca. No pavilhão para a Serpentine Gallery, em Londres, 2006 - um balão com um auditório informal na base -, Koolhaas insistia que o mais importante eram as "actividades" que aí decorriam, demarcando-se das arquitecturas extravagantes promovidas pelo "mercado". Era já a "programação" contra a construção. Em 2009, convidado a falar sobre Urbanismo Ecológico em Harvard, faz críticas demolidoras à arquitectura icónica que considera "out", recua a Vitrúvio, e descreve uma "humildade" que considera ausente na formação dos arquitectos. Entretanto, em 2012, é finalmente concluído o edifício CCTV (Televisão Chinesa), em Pequim, que sugere uma torre de Mies van der Rohe dobrada e retorcida. Mais icónico e seria pornográfico. Felizmente, o projecto remonta a 2002...

Já este ano, Koolhaas anunciou Fundamentals como o tema da próxima Bienal de Veneza. Quer "falar de arquitectura e não de arquitectos" e do modo como, desde "1914", a modernidade apagou as "identidades nacionais". Quer remeter para o "repertório fundamental" dos arquitectos. Depois do elogio à Cultura da Congestão (Delirious New York, 1978), da Cidade Genérica e do Fuck the Context (SMLXL, 1995), quer falar sobre as narrativas da história e do que na globalização remanesce como "nacional".

Esta "evolução" de Koolhaas é bem sinal do nosso tempo. Dir-se-ia que depois de um "summer of love" ao modo europeu, estamos a chegar ao final dos anos 1960 e a entrar nos anos 1970, "anos de chumbo": radicalização política, a chamada do "social", e a cultura pop a falhar o seu projecto icónico. Do Sgt. Peppers dos Beatles para Plastic Ono Band, o primeiro disco a solo de John Lennon: The dream is over.

A proposta de Koolhaas para Veneza revela um inesperado back to basics. Como se quisesse domesticar a fera que ele próprio lançou exuberantemente. Longe vai o optimismo da proposta que elaborou para a bandeira da Europa com as cores das bandeiras dos países em riscas verticais, um "código de barras" infernal que nunca chegou a ser oficialmente adoptado. Quem diria: regressar ao "fundamental" parece ser hoje voltar à cor das bandeiras nacionais.


 
 
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Jorge Figueira



 
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