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05-04-2013        Diário de Notícias

740 mil pessoas morrem em cada ano como resultado de violência armada. 400 mil dessas mortes são perpetradas por armas pequenas e armas ligeiras (revólveres, pistolas, espingardas, carabinas, etc.). Engana-se quem confinar estes números a contextos de guerra. Há guerras ocultas atrás do nome paz que matam tanto ou mais do que as guerras sem disfarce. Atesta-o o número de mulheres mortas por armas de fogo em espaço doméstico, como o atesta o facto de o número de homicídios em diversos países em condição de “reconstrução pós-conflito” ser bem superior ao registado ao longo do conflito.

Por isso, o desarmamento das sociedades tem que ser uma prioridade global. A agenda do desarmamento é hoje muito mais exigente do que antes. Ele tem que incidir sobre as armas de destruição em massa tradicionais – com especial ênfase nos arsenais nucleares, químicos e bacteriológicos – tanto como nas armas de destruição em massa efetivamente usadas em cada dia que passa; as armas pequenas e as armas ligeiras. A multiplicação de “acidentes” e de “chacinas inexplicáveis” em sociedades que dormem tranquilamente sobre vulcões de violência ignorados desafia a placidez com que a proliferação de armas de fogo – ao abrigo de discurso,s sempre muito sensatos, de necessidade de defesa pessoal com um alcance invariavelmente tido como meramente dissuasor – vem sendo tratada nas nossas sociedades. Há pois uma nova agenda de desarmamento que se impõe como garante do direito à vida. E essa agenda tem que ser ambiciosa tanto quanto às armas nela incluídas como no seu alcance: desarmar a sério implica combater as representações fantasiosas sobre o poder conferido pelos revólveres, implica conhecer com rigor os custos totais que as nossas sociedades pagam pelos “acidentes” com armas de fogo e implica regular de forma corajosa a oferta dessas armas.

O comércio de armas é um universo em que as fronteiras entre o legal e o ilegal se revelam perigosamente fluidas e em que os interesses cínicos dos senhores da guerra e dos seus mandantes à distância se misturam com os discursos de defesa nacional ou até mesmo de proteção de indústrias nacionais e do emprego por elas gerado. O que está em jogo é um volume de negócios de 70 mil milhões de dólares anuais. Regular o comércio de armas é pois um esforço titânico e será sempre envolto em suspeitas de se materializar em regras feitas à medida dos interesses de uns produtores contra outros. Pois seja. Mas a não regulação é sempre pior que uma regulação incompleta e imperfeita. O que hoje temos, em escala mundial, é um vazio de regras que os negociantes sem escrúpulos surfam sempre a contento. Serve-lhes às mil maravilhas a regra de facto em vigor: “transferir e esquecer”.

É por isso que o Tratado sobre Comércio de Armas aprovado esta semana pela Assembleia Geral das Nações Unidas é um passo importante. Como sublinhou um dos delegados, “a pergunta que devemos fazer não é se devemos aprovar um tratado como este, mas sim por que demorámos tanto para aprovar este tratado”. É apenas um primeiro passo no sentido de estabelecer padrões de comércio de armas convencionais e que fixa como responsabilidades dos Estados que o ratifiquem o fornecimento de informação transparente sobre todas as suas importações e exportações de armas e a proibição de transferências sabidamente destinadas a ser usadas na perpetração de genocídio, crimes contra a humanidade, violações do direito humanitário e ataques contra civis.
É pouco? É, claro. Tem contradições e ambivalências indisfarçáveis? Tem, certamente. Mas, em nome das vidas que se podem mesmo assim salvar, é preferível o pouco, com contradições e ambivalências, ao vazio.