Já quase tudo foi dito sobre o comportamento dos dirigentes europeus nas últimas semanas: desorientação, loucura, insanidade. Mas não haverá por detrás do que parece ser desnorte, uma lógica forte, implacável, embora invisível?
Nos idos de 2008 a União Europeia (UE) fez com que todos os governos jurassem que não deixavam um único banco ir ao fundo, nem que com isso os estados se afogassem em dívida. Foi claramente isso o que aconteceu na Irlanda. Quando a sobre-endividada Banca Irlandesa abriu falência o Estado irlandês assumiu as perdas, condenando todos os irlandeses a servir a dívida durante muitos anos. Podia ter sido de outra maneira. As perdas poderiam ter recaído não sobre os contribuintes irlandeses mas sobre os credores obrigacionistas dos bancos falidos e os maiores depositantes, como agora aconteceu em Chipre. Podia ter sido, mas não foi.
À Irlanda seguiu-se a Espanha. Os bancos sobre-endividados faliram e foram nacionalizados. Quando foi preciso descapitalizá-los apareceram, para o efeito, fundos do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE). O empréstimo obtido pela Espanha para esta operação de recapitalização, ao contrário do que acontece no caso português, não conta para a dívida pública.
Agora é Chipre e de repente há bancos que já podem falir. Avança dinheiro dos fundos europeus de resgate, e desta vez são chamados a pagar os grandes clientes - os tais russos - e talvez os poucos obrigacionistas. Cada caso é um caso - dizem eles. Mas quem decide em cada caso deve ter um critério qualquer.
Da comparação entre os três casos - Irlanda, Espanha e Chipre - o que se pode concluir? Em primeiro lugar, que na UE não é a mesma coisa ser um país grande e um país pequeno. Nos países pequenos - Irlanda e Chipre - os cidadãos pagam a conta sob a forma de uma dívida pública que vai demorar muito tempo a amortizar, se é que algum dia será amortizada. Em países grandes, como a Espanha, pagarão um dia os próprios bancos, se alguma vez pagarem. Em segundo lugar, descobrimos que é muito importante saber a quem estão os bancos falidos endividados. Na Irlanda e em Espanha os grandes credores dos bancos falidos eram instituições financeiras alemãs. No Chipre, os grandes credores eram os clientes russos.
O que teria acontecido na Irlanda e Espanha se tivesse sido aplicada a receita cipriota? Haveria bancos alemães e de outros países "virtuosos" a sofrer grandes perdas? O que tinha Chipre de especial? O peso da dívida em obrigações a outras instituições financeiras, alemãs ou não, era negligenciável em comparação ao valor dos depósitos. Logo, na Irlanda e em Espanha não podiam ser os obrigacionistas e os depositantes a pagar, mas em Chipre já podem.
Cada caso é um caso e pode bem ser que a decisão acerca do que fazer em cada um obedeça a um critério que está longe de ser ditado pela loucura, o desnorte ou a insanidade das autoridades europeias.
É por estas e por outras que os ares da UE se vão tornando cada vez mais irrespiráveis. Hoje em dia, na Europa, o interesse de uma parte comanda o todo. E na medida em que o interesse da parte que comanda é contrário ao interesse vital de outra parte, deixou de ser arriscado prever que só com violência conjugal o "casamento" se pode vir a manter muito mais tempo.
A violência está à vista. Não foi preciso esperar por Chipre para descobrir a que ponto podia chegar a força bruta sob o disfarce de "ajuda" ou programa de assistência. Se é preciso arrasar um país para garantir o pagamento das dívidas, pois que se arrase esse país. A lógica da "loucura" é implacável. Também no passado foi por dívidas que vários países foram arrasados e transformados em protetorados e colónias.
Agora é uma questão de tempo. Qual dos "ajudados" irá primeiro assumir a desobediência, libertando-se da armadilha em que a utopia da moeda sem Estado - o euro - degenerou? Começa a ser tarde para esperar soluções solidárias de uma Europa dominada por egoísmos nacionais que divergem no seu interesse. O tempo que passa serve apenas para enfraquecer a força dos fracos e acelerar a sua descida aos infernos. Agora é o tempo de escolhas difíceis que têm de ser feitas.