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31-03-2013        Público [Revista 2]

Olhar para o chão pode parecer uma proposta deprimente, mas não é, necessariamente. O "desenho do chão", na aparência uma actividade simples e secundária, revela-se muitas vezes de enorme impacto público, como é o caso da intervenção na Avenida dos Aliados (de Álvaro Siza e Souto de Moura) ou no Terreiro do Paço (de Bruno Soares). Ou, num âmbito mais disciplinar, no Mosteiro de Alcobaça (de Gonçalo Byrne). É interessante que uma operação, dir-se-ia, tão pouco palpável possa suscitar tais paixões. Até Rui Reininho se manifestou contra a intervenção na Avenida dos Aliados, talvez porque não tinha dunas nem divãs.

Nestes casos mais simbólicos, mudar o chão leva as pessoas a reagir como se lhes tivessem a tirar o tapete. Mesmo que objectivamente não tenham muita importância: para lá dos aspectos infra-estruturais, esses sim pesados e determinantes, os pavimentos podem ser mudados com relativa facilidade. O Terreiro do Paço, por exemplo, que é um caso de metafísica, nunca estará resolvido. Para quando uma nova intervenção? É urgente.

Tendo passado algo despercebida, no plano nacional, a renovação da Praça do Toural e envolventes, realizada no âmbito de Guimarães, Capital Europeia da Cultura, é um exemplo maior, irrepreensível, do "desenho do chão". Maria Manuel Oliveira soube integrar as diversas artes e técnicas envolvidas, numa intervenção contida mas não prosaica, legitimada pela história mas sem medo da contemporaneidade. O processo pode ser visto no livro de Nuno Miguel Borges, Renovação da Praça do Toural... Guimarães 2010-2012, com um eloquente levantamento fotográfico de Rita Burmester.

O inesperado convite a Ana Jotta para participar na intervenção revelou-se acertado. O "varandim" de 60 metros, folheado a "ouro", foi alvo de uma petição e muita controvérsia. "Ninguém gosta do varandim, por ser estranho", sintetiza um taxista na Internet (dois media seguros, do ponto de vista da crítica de arte). O "varandim" funciona como o "órgão barroco" na Casa da Música, também de "ouro": cria uma disrupção temporal e material. Os "cadeados de amor" que aí têm sido colocados dão-lhe a função que porventura lhe faltava.

A renovação da Praça do Toural segue o consenso de eliminar aquilo que é anacrónico e pitoresco, dotando o espaço público de uma maior informalidade. Mas nesse consenso demonstra uma sensibilidade particular, o que o pavimento e o "varandim" de Ana Jotta sublinham.

Redesenhar o chão não é low cost nem óbvio. O over design é um erro capital comum. Mas no centro ou na periferia pode ser uma forma de "arrumar a casa", de tentar ganhar sentido. Olhar para o chão pode ser uma introspecção útil. Quem sabe, também, com alguma vergonha. Que haja ao menos um varandim dourado onde possamos colocar o nosso cadeado e deitar as chaves fora.


 
 
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Jorge Figueira



 
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