A imagem da espiral tem sido usada no debate público para mostrar como esta crise é dinâmica e tem um só sentido: o do afundamento das economias e das sociedades. Ela tem, no entanto, outra marca: esse sentido descendente vai sendo percorrido a uma velocidade cada vez mais rápida. O perigo de colapso é hoje muito maior que antes e dele nos aproximamos em movimento uniformemente acelerado. O efeito cumulativo dos fatores de degradação é cada vez mais destrutivo.
Que uma das mais pequenas economias europeias – cujos depósitos bancários representam menos de 0,2% do total da UE, e para a qual a Troika anunciou um montante de resgate oitenta vezes mais pequeno que o gasto pela França e pela Alemanha no resgate dos seus sistemas bancários – lance o pânico de desabamento final do Euro é revelador do ponto a que chegámos. A noção precisa dos erros cometidos em mais este caso servirá, pelo menos, para os evitar de novo e para não juntar mais carga explosiva à dinamite da crise. Se ainda formos a tempo…
A primeira lição que Chipre nos ensina é que o sucesso da desregulação anuncia o desastre. Graças a taxas de juro muito baixas, Chipre registou no final da década anterior entradas maciças de capital e passou a funcionar como um offshore das oligarquias russas, lavando esse dinheiro quer em especulação imobiliária quer em especulação com a dívida grega. Há apenas cinco anos, Chipre era louvado como um caso de neoliberalismo virtuoso. Louvor precipitado: o perdão parcelar da dívida grega impôs a bancarrota à estratégia irresponsável de casino do sistema bancário de Chipre que arrastou consigo toda a economia do país.
A segunda lição que Chipre nos ensina é que, para as autoridades do Eurogrupo, a crise e as respostas à crise são duas ferramentas da mesma política. Os mesmos que louvaram a transformação de Chipre num offshore, vendo nisso um caso de sucesso de crescimento, vêm agora, diante da falência dos bancos e da economia, advogar que o esforço do resgate seja assumido pelos titulares de depósitos bancários. É truque e mal feito: para que o país continue a ser offshore, o resgate dos oligarcas é posto sobre os ombros de quem poupou umas dezenas de euros de salário. Quem ganhou com a especulação que esteve na base desta bancarrota arrisca-se a sair da história sem um mínimo de perdas. E a vítima principal de tudo isto será o princípio da confiança dos pequenos aforradores com depósitos inferiores a 100.000 euros e a quem nem o Estado nem a União Europeia oferecem agora qualquer garantia de retorno. A penalização das classes populares pela cupidez irresponsável dos especuladores, começada na Grécia, segue pois o seu caminho. Por isso, posta em causa em Chipre, a confiança dos pequenos depositantes nos sistemas bancários nacionais fica posta em causa em todo o espaço europeu.
A terceira lição que Chipre nos ensina é que a independência dos bancos centrais é uma fábula. A retórica da independência dos bancos centrais é o disfarce da sua função instrumental face aos grandes interesses financeiros. O Banco Central Europeu tem mostrado, por ação e por negligência, ao longo de toda esta crise, quanto isto é evidente. Agora, a sua chantagem sobre o povo de Chipre torna tudo ainda mais claro: liquidez de emergência só para “países que têm futuro”, diz-nos Frankfurt. Os bancos alemães, holandeses, finlandeses e luxemburgueses sorriem de contentamento. O BCE mostra assim que saída do euro só há verdadeiramente uma: a da expulsão dos mais fracos. A resistência solidária a essa expulsão é hoje a maior batalha que se exige dos europeístas. Em nome de uma Europa de esperança.