Elites e líderes são sem dúvida os protagonistas centrais das modernas sociedades democráticas. Mas a perspetiva com que são concebidos depende sempre do modo como nos posicionamos em relação à vida política, à sociedade e à mudança. Ultimamente, a propósito da contestação que a classe política e as instituições vêm sofrendo, com o divórcio e a desconfiança crescente por parte dos cidadãos, têm-se repetido as críticas aos partidos e os apelos para uma mudança radical do sistema político. Serão esses protestos, movimentos, manifestos e críticas realmente excessivos e populistas como alguns afirmam? O que se pode dizer, a este propósito, da atual situação das elites e lideranças políticas em Portugal?
Para responder a tais perguntas é necessário clarificar o papel das elites, das lideranças e da mudança sociopolítica em democracia (sobretudo quando ela está em perigo). As elites são decisivas para qualquer sistema social, pelo que defender a sua função não é ser "elitista", principalmente se soubermos distinguir entre as elites instaladas e as elites renovadoras. Enquanto as primeiras contestam o que chamam populismo para justificarem a sua cultura aparelhista, as segundas são empreendedoras e trabalham para prevenir os perigos que o sistema enfrenta, mostrando ao povo qual é o rumo a seguir, estando assim legitimadas para se preservarem no poder (inclusive através do voto). Já os profissionais do aparelhismo (que seguem a lógica dos instalados) jamais saem dos horizontes do "partidismo" e não entendem que as reformas de que falam hoje deveriam ter sido feitas há vinte anos atrás, quando estavam ocupados e iniciar a sua carreira.
Numa cultura democrática madura, onde funcionem os metabolismos entre representantes e representados, entre instituições, partidos e cidadãos, o sistema democrático tende a regenerar-se periodicamente e consegue apetrechar-se de autodefesas e capacidade homeostática para se defender dos vírus mortíferos que hoje atacam as democracias (corrupção, submissão do poder político e dos recursos públicos aos interesses privados, tráfico de influências, populismo e eleitoralismo, manipulação, demagogia, etc, etc). Num tal cenário, a elite consegue prevenir males maiores porque as lideranças cumprem o seu papel de motores da transformação e do progresso, velando pelo futuro e bem-estar dos seus concidadãos. Esse é o papel da elite democrática não-elitista que prepara a sua própria renovação intergeracional. Ora, em Portugal, estamos no extremo oposto, com uma democracia exausta e uma classe política incapaz de a resgatar do abismo para onde foi empurrada (aliás, pelos mesmos que vociferam contra quem critica as perversões da democracia).
No processo de renovação das elites, os líderes de hoje serão a elite de amanhã, mas só as grandes ruturas podem produzir grandes líderes. O líder é aquele que personifica a vontade popular, mas que a orienta na direção certa e que tem na sua mente um horizonte de médio ou longo prazo. Enquanto o líder da mudança é popular sem ser populista, o dirigente populista usa apenas o taticismo com o único fito de alcançar o poder, isto é, pensa mais no próximo ato eleitoral do que na próxima geração. Quem hoje ocupa os lugares de topo da política nacional não teve de arriscar praticamente nada no seu passado, não precisou de romper com nada de substancial, de adquirir a experiência e o endurance necessários ou mostrar dotes de especial coragem e audácia. As suas trajetórias de ascensão foram desenhadas a régua e esquadro nos aparelhos, onde aprenderam a fazer política e a gerir lealdades e redes de influência. A maioria, até mesmo a doutrina política convencional desconhece. É provável que os líderes de amanhã estejam hoje entre aqueles ativistas anónimos dos movimentos que contestam o poder e querem refundar o sistema democrático para construir uma sociedade melhor. São eles que podem obrigar a ruturas estruturais de novo tipo.
Na situação de bloqueio e encurralados como estamos, ou há uma rendição geral, ou alguma faísca pode atear o fogo da revolução. Isto não é um apelo, mas uma advertência. A reforma ou mudança incremental seria a resposta adequada, mas para isso teríamos de ter elites e líderes que imprimissem eficácia e poder reformista às instituições. O historiador americano Charles Tilly dizia que há três condições em que se pode falar de revolução: (1) quando existem fortes discrepâncias entre o que o poder exige dos seus cidadãos e o que é capaz de os fazer cumprir; (2) quando os governos confrontam os seus cidadãos com exigências que ameaçam a sua identidade coletiva; e (3) quando o poder dos governos claramente diminui face à força crescente dos seus adversários. Pergunta-se: qual delas é que não se verifica hoje em Portugal?