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02-03-2013        Público

O bipolarismo artificial de Itália acabou por dar origem a um Parlamento tripartido e o Movimento 5 Estrelas (M5S), criado pelo comediante Beppe Grillo, como importante força política. A anómala coligação da esquerda com Silvio Berlusconi não apenas alimentou políticas de austeridade sem projecto, como converteu a democracia em refém de uma classe política incapaz de reformar-se para não perder privilégios. Agora que quem mais se insurgia contra a casta tem assento parlamentar, poderá a demagogia tornar-se representação política? O M5S terá algum capital acumulado para avançar com as necessárias reformas da moralidade pública?

Bersani, líder do Partido Democrático (PD), tinha três opções: a) aceitar um Governo de salvação nacional com Berlusconi; b) tentar formar um Governo com o M5S; c) propor um frágil Governo de minoria, procurando o apoio das outras forças políticas para cada uma das medidas que tomar, a geometria variável. Sendo a primeira hipótese inviável (pela impossibilidade de confiar em Berlusconi como aliado fiável), Bersani acabou por defender a segunda opção, indicada pelo aliado Vendola e pela base do PD através das redes sociais. Se Grillo não aceitar um acordo programático estável, resta a hipótese de reproduzir o modelo Sicília, onde o PD negoceia cada proposta de lei, individualmente, com o M5S, construindo quotidianamente uma cooperação de facto.

Bersani ofereceu propostas atractivas aos militantes do M5S: trabalhar em conjunto nas reformas do sistema para aumentar a moralidade e reduzir a impunidade e os custos da política (lei eleitoral e anticorrupção, redução do número de parlamentares, abolição das províncias ou normas sobre o conflito de interesses). Se Grillo não aceitar o acordo, o debate no M5S poderá enfraquecer e desarmar o líder, pois os "grillini" vêem a oferta como irrecusável. De facto, Grillo está a ser pressionado pelos militantes, que reagiram mal às primeiras suas reacções negativas à proposta de Bersani (apelidado de "zombi falante"). Em relação aos equilíbrios internos da esquerda, este início pode colocar à margem o sector conservador do aparelho, e reforçar a relação com as bases, evitando uma nova hemorragia de consensos perante o risco de novas eleições em poucos meses.

Não votei no M5S. Achei o programa demasiado pré-político: centrado na definição de condições prévias para construir uma nova classe política, mas ainda imaturo na visão geral, quer da economia quer da inserção de Itália nas redes de responsabilidades internacionais mútuas. Porém, como formador e consultor técnico, trabalhei por diversas vezes com grupos locais do M5S, e gostava de realçar alguns pontos de força que justificam esta tentativa de diálogo:

1) A Europa tem medo da incógnita que Grillo representa, mas tem também pavor de Berlusconi. Mais vale um salto no desconhecido do que uma tragédia anunciada. Berlusconi nega o abismo, enquanto Grillo coloca a crise no centro, insiste na ligação crise-guerra e repete que os países industrializados devem ser mais sóbrios - "todos mais pobres, mas mais solidários".

2) Grillo é imprevisível, mas por detrás dele não existe um vazio, como acontece com Berlusconi. Existe um sujeito plural cujos militantes apaixonados frequentemente discordam do líder e não querem desperdiçar a oportunidade de concretizar um sonho, trocando-o por uma hipotética vitória maior numa eleição futura. Apelidemo-lo de antipolítico, ainda que se trate apenas de um movimento anti-establishment, que não recusa as instituições: quer torná-las mais justas e representativas. Os militantes sabem que existe um problema de democracia interna no M5S, e que o cunho autoritário/autocrático do megafone tem que ser contrabalançado por regras mais claras e colectivas para a tomada de decisões.

3) Para passar a mensagem, o MS5 tem privilegiado a rua, procurando evitar a manipulação televisiva, colocando o foco nas pessoas e nas consequências das transformações económicas sobre elas (ignoradas por Monti e seus aliados). Alem disso, o seu discurso recupera a centralidade do Parlamento face ao excesso de poder dos executivos.

4) Perante as reformas exigidas pelos parceiros internacionais, o anti-europeísmo de Grillo tem vindo a suavizar-se. Não será fácil, mas - paradoxalmente - a reduzida consistência do M5S como partido permite aos eleitos sentirem-se mais livres para "seguir o seu bom senso" e ter comportamentos individuais razoáveis na avaliação de cada medida.

5) Os novos eleitos irão renovar o Parlamento. O número de mulheres passa de 20% para 31% e a média etária baixa de 55,5 para 48 anos (a média dos deputados do PD é de 49 anos; do M5S, 37). A mudança geracional não é garantia de qualidade, mas transporta para o poder aquela a que Monti chamou de "geração perdida", que desconfia de um pacto com as gerações futuras que salte por cima da geração presente. Embora os funcionários parlamentares tenham receio de tantos inexperientes, há algum tempo que o M5S (ao invés das demais forças) trabalha na alfabetização institucional dos militantes.

Em suma, o M5S não foi apenas um dique contra o abstencionismo eleitoral ou um "inibidor capaz de regular o medo" (como diz Grillo) para evitar que a raiva popular premiasse formações neofascistas, como na Grécia ou Hungria. Ele pode obrigar também as instituições e os outros partidos a inovar-se, dialogando com os valores das forças progressistas tradicionais.


 
 
pessoas
Giovanni Allegretti



 
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M5S    Itália    Beppe Grillo