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22-02-2013        Diário de Notícias

Foi só 100%, coisa pouca. A recessão vai ser o dobro – não será o triplo ou o quádruplo? – da que o Governo antecipou no cálculo do orçamento de Estado. E não, não foi erro de previsão, foi mentira premeditada. Em dois meses, tanto quanto levamos de execução do orçamento, a realidade não muda tanto assim. O que mostra que o Governo pura e simplesmente manipulou as contas para legitimar um exercício de extermínio económico que vem executando com frieza.

Vem pois aí o primeiro dos mais que esperados orçamentos retificativos. Ele juntar-se-á a uma série de outras retificações em curso, das quais a mais relevante é a do pedido de mais um ano para a aplicação do programa de ajustamento. Engana-se quem vê aqui o sinal de um Governo em desespero, de cabeça perdida diante da sistemática negação dos seus axiomas pela realidade. Insisto: o Governo não se enganou, esta é a sua estratégia meticulosamente pensada e estes são os resultados por si pretendidos. Por isso, a crítica a fazer ao Governo não é a de incompetência técnica mas a de amesquinhamento da democracia pela gestão da mentira e amesquinhamento da sociedade pelo empobrecimento e pelo desemprego.

Quem se regozija com o pedido do Governo, vendo nele uma expressão de sensatez e clamando, com auto-comprazimento, que mais tempo para o ajustamento era algo que sempre devia ter sido defendido, deixa na sombra o essencial: o suposto ano suplementar não servirá para corrigir a estratégia mas sim para a aplicar, sem alterações de nenhum tipo, conseguindo para isso um quadro de menor resistência social. Mario Draghi encarregou-se, aliás, esta semana, de deixar claro que não haverá, da parte dos credores, qualquer complacência para com uma atenuação das metas do programa de ajustamento português. “"Se com 'ajustar às circunstâncias' se quer dizer mitigar a consolidação orçamental, não é isso que queremos dizer. O que queremos dizer é mitigar as consequências. Enfraquecer a consolidação orçamental agora correria o risco de perder os efeitos que muitos dos sacrifícios já estão a permitir" – podiam as afirmações do Presidente do Banco Central Europeu não ser mais cristalinas?

A estratégia do Governo é pois a de não mudar de rumo e manter como dogma a punição da economia pela austeridade custe o que custar, criando ao mesmo tempo a ilusão de que “sabe ouvir” e que, em coerência, se deixou convencer pelo bom senso e até pela “sensibilidade social” que o levam a cuidar de evitar ruturas sociais. Daí o pedido de mais um ano. Daí também o suposto faseamento dos cortes de quatro mil milhões de euros na despesa social, com 800 imediatos e o diferir dos 3200 restantes para um prazo mais dilatado em alguns meses.

Quem diz, face a esta estratégia da ilusão, “cá está, tínhamos razão, é preciso ‘mitigar as consequências’” negociando o modo de executar o memorando da troika, mostra que o aceita como irrecusável e que tudo se resumirá a ritmos e intensidades da sua aplicação. Puro engano. Não é a intensidade de aplicação do memorando que gera desemprego, é o memorando em si mesmo. Não é o ritmo de aplicação do memorando que produz desespero social, é o memorando em si mesmo. Por isso, proclamar que é tempo de dizer basta para na linha seguinte jurar fidelidade à ‘regra de ouro’ é alinhar na estratégia da ilusão. Não é a Grândola que esses cantam. É a balada de Rui Veloso: “Muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa”.


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
temas
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