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17-02-2013        Público [Revista 2]

Houve um tempo em que ser professor na universidade tinha uma certa eloquência. Era um lugar apesar de tudo livre, com um compromisso público. A competição dura, a hierarquia enfática e as consequentes deslealdades sempre existiram mas eram efeitos colaterais de algo com uma dignidade maior. Estive apenas dois meses fora da universidade, na minha vida adulta: o tempo que mediou o final do curso e a entrada como assistente estagiário. Fiz essa passagem sem excessiva auto-estima: o campo afinal era o mesmo, a minha equipa era apenas ligeiramente mais doutoral.

Ser professor universitário atingiu hoje o grau zero de romantismo e de gravitas.

São exigidas competências de um super-homem mantendo a gravata do Clark Kent: investigar; ensinar; administrar; preencher; gerir; internacionalizar; auto-avaliar. Se garantirmos a concentração do burocrata, no entanto, tudo se resolve. Até dar aulas, basta picar o ponto. Porque só um aspecto conta verdadeiramente: a "investigação". Para ser mais claro: a publicação de artigos em revistas "indexadas", com peer review. Para ser ainda mais claro: a publicação de artigos com a classificação ISI (Institut for Scientific Information, agora Thomson Reuters).

Em certas faculdades este é o único objecto de interesse. A analogia deste pressuposto com o funcionamento das agências de rating é avassaladora. A Standard and Poors manda no mercado como a ISI manda na investigação. É escusado dizer como este objectivo é desproporcionado para os cursos de arquitectura, arte e, suponho, humanidades, já que a sua lógica original e modo de funcionamento decorre largamente da investigação em áreas tecnológicas.

Não nego o necessário upgrade da universidade. Questiono a "internacionalização" como lema de uma nova utopia tecnocrática, em que todos os funcionários trabalham para uma patente a ser consagrada no MIT, via ISI, em direcção a Silicon Valley. Este americanismo é tão irreal como imaginar uma Hollywood portuguesa, ou um Bruce Springsteen a emergir de Almada.

O professor universitário é hoje alguém sentado à secretária furiosamente "submetendo" artigos para peer review, perdido na tradução, estupidificado pela internacionalização em obrigatória língua inglesa. Não interessa que a investigação com a meta ISI não seja compatível com as tarefas super-homem; que a tradição de muitas disciplinas seja alheia a este tipo de indexação; que a relação com o ensino e com a comunidade seja transformada em "lixo". O professor universitário livre, talvez até um pouco excêntrico mas empático com o mundo, à sua maneira, morreu.

Envias esse artigo para quê? Investigas para quem? Qualquer dia irrompem pelo quarto. Talvez a universidade portuguesa seja apenas uma pobre filial do Processo de Kafka.


 
 
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Jorge Figueira