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02-02-2013        Jornal de Notícias

É claro que o futuro vai chegando, constrói-se, a cada momento que dizemos presente! Sabemos, também, que não existe futuro desligado do passado e, muito menos, pode ser perspetivado como a solução única e última, seja qual for a área da sociedade ou o tema sobre o qual procuramos abrir horizontes.

As formas de estruturação, de organização e de prestação do trabalho, “como tudo na vida”, têm continuidades e descontinuidades, sofrem mudanças e transformações, e estão dependentes de vários fatores. São os contextos, os patamares de desenvolvimento das sociedades e as relações de força existentes em cada tempo, entre os atores sociais e políticos, que determinam as opções que se adotam e os fundamentos que as suportam.

O trabalho humano nem sempre foi dignificado, apesar de constituir uma dimensão essencial da economia e da sociedade. Numa sociedade que o dignifique, a determinação do lugar e do valor do trabalho implica que este seja considerado sinónimo de atividade transformadora, fator de criação de riqueza, dimensão ética e inclusive de prazer, fonte de produção de “obra” em múltiplos campos, de realização individual e coletiva.

Por tudo isto é imprescindível usar o conceito “mudança” com cautela, pois nem toda a mudança é positiva. No caso das condições de organização e de prestação do trabalho, se submetermos as suas alterações a determinismos económicos e financeiros e a meros objetivos de lucro, desaguaremos em forte retrocesso.

O trabalho do presente e do futuro requer aos trabalhadores qualificações prévias, mas a sua efetivação também propicia novas qualificações e exigências de aprendizagem só determináveis em pleno, em contexto de trabalho.
O trabalho requer ensino, informação, comunicação, cultura; exige disponibilizar tempo e participação; reclama saúde física e equilíbrio emocional; contrapartidas materiais, e outras, justas; põe em evidência a necessidade de outras atividades, realizações e lazer; potencia o uso mais equilibrado do nosso tempo de não trabalho. O trabalho deve dignificar-nos e responsabilizar-nos, para que além de trabalhadores sejamos cidadãos plenos.

No atoleiro da crise e das contradições do sistema capitalista em que vivemos, a busca de saídas que concretizem uma sociedade desenvolvida e de progresso social e humano, coloca-nos desafios prementes para que o futuro do trabalho chegue bem: i) há que travar uma forte batalha para recentrar o significado e o papel da economia, bem como o conceito de emprego, associando-o à valorização e responsabilização pelo trabalho enquanto atividade de produção de bens úteis ao desenvolvimento equilibrado da sociedade; ii) forçar a utilização de uma parte da riqueza existente, concentrada de forma egoísta na posse de alguns, para criar milhões e milhões de postos de trabalho úteis e valorizáveis; iii) articular a inovação tecnológica com a inovação social, valorizando esta muito mais, utilizando de forma mais racional e justa os conhecimentos; iv) forçar um grande combate por uma nova operacionalização do valor do trabalho, o que desafia a não se deitar para o caixote do lixo a importância das trajetórias e carreiras profissionais, a colocar na ordem do dia a valorização do salário e do tempo de trabalho, a equilibrar o individual e o coletivo, a trabalhar bem a igualdade, a desconstruir e reconstruir conceitos como o mérito ou a motivação.

Quando me perguntam quais os aspetos mais críticos da “gestão das pessoas” no atual contexto, inclino-me para dizer que são as instabilidades e as inseguranças – para os trabalhadores em particular, mas também para as estratégias empresariais –, a aniquilação das identidades no espaço de trabalho e a ausência de uma matriz de desenvolvimento para o país.

Hoje, grande parte das empresas portuguesas, organizações científicas e os próprios serviços públicos, está prisioneira da sobrevivência e sem modelos de organização e gestão articulados e estabilizados. Esses problemas, assim como os inerentes a uma boa prestação das funções do Estado, não se resolvem com trabalho desregulado e despido de direitos.

O futuro do trabalho há de ser construído com novos rumos de desenvolvimento e com democracia.
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Nota: O Título desta crónica foi o pertinente título de um debate em que participei no passado dia 30/01, organizado pelo CEGOC no âmbito do seu 50.º aniversário.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
capitalismo    trabalho