Esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo. A esperança não se inventa, constrói-se com alternativas à situação presente a partir de diagnósticos que habilitem os agentes sociais e políticos a serem convincentes no seu inconformismo e realistas nas alternativas que propõem. Se o desmantelamento do Estado social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis (a grande maioria da população) verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários mas poderosos. O fascismo que emerge não é político, é social e coexiste com uma democracia de baixíssima intensidade. A direita que está no poder não é homogénea mas nela domina a fação para quem a democracia, longe de ser um valor inestimável, é um custo económico e o fascismo social é um estado normal.
A construção de alternativas assenta em duas distinções cruciais: entre a direita da democracia-como-custo e a direita da democracia-como-valor; e entre esta última e as esquerdas (no espetro político atual não há uma esquerda para quem a democracia seja um custo). As alternativas democráticas hão-de surgir desta última distinção.
Os democratas portugueses, de esquerda e de direita, terão de ter presente, tanto o que os une como o que os divide. O que os une é a ideia de que a democracia não se sustenta sem as condições que a tornem credível ante a maioria da população. Tal credibilidade assenta na representatividade efetiva de quem representa (sistema político, sistema eleitoral, democracia interna dos partidos, financiamento de campanhas, etc.); no desempenho de quem governa (prestação de contas, punição da corrupção e do abuso de poder); no mínimo de ética política e de equidade para que o cidadão não o seja apenas quando vota mas também quando trabalha, quando adoece, quando vai à escola, quando se diverte e cultiva, quando envelhece. Na conjuntura que atravessamos, este menor denominador comum é mais importante do que nunca mas, ao contrário do que pode parecer, as divergências que a partir dele existem são igualmente mais importantes do que nunca. São elas que vão dominar a vida política dos portugueses e dos europeus nas próximas décadas.
Principais divergências.
Primeiro, para a esquerda, a democracia representativa de raiz liberal é hoje incapaz de garantir, por si, as condições da sua sustentabilidade. O poder económico e financeiro está de tal modo concentrado e globalizado que o seu músculo consegue sequestrar com facilidade os representantes e os governantes (por que há dinheiro para resgatar bancos e não há dinheiro para resgatar famílias?). Daí a necessidade de complementar a democracia representativa com a democracia participativa (orçamentos participativos, referendos, consultas populares e conselhos de cidadãos). No contexto europeu, não haverá democracia de alta intensidade sem a democratização das instituições e processos de decisão comunitários.
Segundo, crescimento só é desenvolvimento quando for ecologicamente sustentável e contribuir para democratizar as relações sociais em todos os domínios da vida coletiva (na empresa, na rua, na escola, na família, no acesso ao direito, na opção religiosa). Democracia é todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada. O socialismo é a democracia sem fim.
Terceiro, só o Estado providência forte torna possível a sociedade providência forte (pais reformados com pensões cortadas deixam de poder ajudar os filhos desempregados, tal como filhos desempregados deixam de poder ajudar os pais idosos ou doentes). A filantropia e a caridade são politicamente reacionárias quando, em vez de complementar os direitos sociais, se substituem a eles.
Quarto, a diversidade cultural, sexual, racial, religiosa deve ser celebrada e não apenas tolerada.