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07-01-2013        Público

Já parece uma década mas há apenas cerca de ano e meio desde o pedido de resgate. A austeridade mudou o ritmo e alterou a noção do tempo. A espiral negativa apoderou-se dos acontecimentos à medida que o tempo corre, a cada mês, semana ou mesmo a cada dia, tornando real a ideia de que “um pessimista não é senão um otimista esclarecido”. Porém, o excesso de negativismo está a levar-nos à exaustão e pode tornar-se paralisante. Haverá um reverso para tanto pessimismo? A situação de anomia e o cerco em que nos encontramos no plano financeiro e económico poderão propiciar ruturas e viragens de sinal positivo na nossa vida coletiva (que, de outro modo, poderiam nunca vir a ocorrer)?

Parece evidente que o contexto de crise que se vive no país e na Europa irá permanecer no centro do debate público nos próximos tempos. É pois no quadro de austeridade violenta que se avizinha para 2013, que irão decorrer as eleições autárquicas (deixando por ora de lado um eventual cenário de eleições parlamentares antecipadas), pelo que essa campanha poderá oferecer-se como uma oportunidade de revitalização democrática. Mais, num momento em que os cidadãos rejeitam a política formal e a cidadania se assume sobretudo fora das instituições e dos partidos (ou mesmo contra eles) é tempo de reinventar a democracia a partir de baixo, promovendo o mérito, a transparência e o sentido ético que vêm escasseando na vida política. Os projetos e movimentos de cidadãos com vista à apresentação de candidaturas independentes às eleições municipais de 2013 podem revelar-se um excelente tónico nesse sentido (a não ser nos casos em que tais candidaturas replicam os mesmos vícios dos aparelhos partidários) e contribuir para abrir novos caminhos que respondam às gritantes carências das populações.

Para além do tempo de “vacas magras” que hoje vivemos, medidas recentes como a extinção de freguesias, a criação das “comunidades intermunicipais” e a lei do limite de mandatos nos municípios, no modo como estão a ser concebidas e interpretadas, podem descredibilizar ainda mais a vida política ou acicatar a rebelião coletiva. Tudo seria mais fácil se as forças políticas do arco do poder – em especial as estruturas locais – soubessem interpretar os sinais dos tempos e vissem para além dos estreitos horizontes dos seus aparelhos. Mas, em vez disso, o que se assiste é, de um lado, aos movimentos de alguns “dinossauros” que se preparam para transitar da sua velha autarquia para a do lado a fim de se perpetuarem no poder (ou para as futuras estruturas intermunicipais, que se apresentam como “more jobs for the boys”) e, de outro lado, vemos os aparelhos partidários a alimentar alegremente a corrosão da democracia representativa, teimando no calculismo eleitoralista em vez da renovação e da abertura à sociedade.

Em Coimbra, por exemplo – onde o poder municipal, detido pelo PSD desde 2001, é gerido desde há dois anos por um Presidente não eleito, que era nº 2 de Carlos Encarnação, cuja desistência foi previamente negociada com a direção do partido – o que fez o principal partido da oposição (PS)? Na ansia de recuperar a câmara (e na ilusão de que o consegue sem grandes dificuldades) não foi capaz de apresentar outro candidato senão ir “ressuscitar” Manuel Machado, o mesmo que, tendo sido eleito por três vezes se deixou perder (para Carlos Encarnação) há onze anos atrás e cujo último mandato foi tão apagado que teve como principal condão suscitar a mobilização das forças vivas da cidade – nomeadamente através do Congresso da Cidade, da associação Pro Urbe e do Conselho da Cidade – contra a sua gestão “de mercearia”. Esta é, sem dúvida uma opção tosca e talvez “suicida” para o PS. É sem dúvida o resultado de uma visão estreita, calculista e prisioneira do aparelhismo instalado nas estruturas locais deste partido, que se recusou a, em devido tempo, preparar uma candidatura mais abrangente e credível. 

Ora, perante este cenário, aos cidadãos de esquerda em geral e aos eleitores e militantes socialistas em particular só restam duas atitudes: ou resignam-se a esta realidade e acomodam-se, abstendo-se ou votando rotineiramente nos “emblemas” do costume; ou respondem a estas manobras promovendo uma alternativa, uma candidatura de unidade com base num movimento independente e dinâmico, capaz de congregar apoios em diversos setores da cidade. O PCP e o BE têm aqui, aliás, uma boa oportunidade para mostrar que põem os interesses da cidade e da região acima dos tacticismos partidários. Uma força política de esquerda que se paute pela coerência não pode criticar o poder central e ser ao mesmo tempo cúmplice de um poder local do partido do governo, a troco de um lugar de vereador. Além do mais, no quadro em que vamos ter de viver no ano de 2013 seria estimulante que Coimbra soubesse dar o exemplo com um projeto aliciante de desenvolvimento local dirigido às populações (urbanas e rurais) que contrariasse o desânimo instalado e a austeridade galopante, mobilizando o seu potencial tecnológico e científico em benefício da cidade e do distrito. E isso requer liderança, conhecimento e visão estratégica.


 
 
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Elísio Estanque