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10-11-2012        Jornal de Notícias

Vivemos num tempo em que as eleições em outros países, sobretudo quando se trata de grandes potências, não nos são indiferentes. Não votamos nos EUA ou na Alemanha ou no Brasil, mas é como se o fizéssemos. Por vezes temos mesmo os “nossos” candidatos e os “nossos” adversários nesses países.

Nos EUA existe um sistema bipartidário onde é quase impossível surgirem verdadeiras alternativas. As que existem são forçadas a tentar fazer caminho por entre as estreitas fissuras do sistema político, ou a quebrar hegemonias dentro de um dos grandes partidos – o democrático. Os que conseguem, ou parecem consegui-lo, cedo tendem a desiludir-nos. Foi o caso de Obama no seu primeiro mandato. Ficou muito aquém das esperanças que suscitou. Teve de enfrentar a crise financeira, mas não foi capaz de impedir que o sistema financeiro rapidamente se recompusesse do susto e que, no plano global, fizesse da crise uma oportunidade para desencadear uma nova ofensiva agora dirigida contra os Estados, atingindo particularmente os do Sul da Europa.

Por isso mesmo nestas eleições americanas Obama era, para muitos homens e mulheres progressistas, apenas o que se opunha ao mal maior. Entretanto, na noite de terça para quarta-feira respirámos fundo e saiu-nos um “uff, Obama ganhou”.

Mitt Romney, um daqueles políticos em relação ao qual é difícil perceber como é possível as pessoas confiarem nele, era o candidato da austeridade à americana: do discurso contra o Estado; do deixem os mais ricos enriquecer indefinidamente, não lhes perguntem o que fazem aos seus milhões; da defesa pacóvia do “mérito”; do consintam todos os privilégios que permitem a quem mais tem e pode colocar com toda a liberdade os seus rendimentos em paraísos isentos de impostos.

Acrescente-se a tudo isto a ilusão, ainda bem viva, de que a América é o farol do mundo a quem tudo é permitido. Somem à austeridade à americana e à crise mundial que ela precipitaria, uma linguagem belicista dura e o exercício do músculo militar em todos os cantos do Mundo, e digam lá se não há razões para sentirmos um grande alívio com a derrota de Romney?  

O alívio sentido e bem agradável não pode significar, de modo algum, qualquer escorregadela que nos conduza a expetativas não sustentadas. Os poderes dominantes que estão para além do poder do Presidente dos EUA e que este também representa – neles se integrando, embora com possibilidade de introduzir nuances significativas nas políticas a seguir – vão prosseguir nos seus objetivos e nas suas práticas.
Uma amiga que viveu os dias do furacão Sandy em Nova Iorque deixou-me, em conversa recente, dois registos que aqui partilho com os leitores do JN.

Nova Iorque está no coração do sistema capitalista que domina o mundo. O furacão provocou-lhe uma onda de destruição em que os sistemas de comunicação e de informação deixaram de funcionar, a generalidade dos serviços e a bolsa encerraram, e meia cidade ficou sem luz, água, aquecimento e redes diversas durante dias. O tema das mudanças climáticas, que é extraordinariamente importante e estava totalmente ausente da campanha eleitoral, tornava-se repentinamente, de forma brutal e na capital do sistema, muito importante perante os olhos dos americanos. Para dar resposta à situação foi preciso impor solidariedade coletiva e um rápido recurso às capacidades do Estado – mais ao estadual do que ao federal, aspeto importante que os europeus devem analisar.

O sistema tem mesmo pés de barro e o Estado e os compromissos e a responsabilidade coletiva são instrumentos indispensáveis para responder às suas diversas crises.
O segundo registo da minha amiga foi para observar que talvez aquele acontecimento tenha contribuído alguma coisa para o facto de Obama, no seu discurso de vitória, ter apelado ao humanismo, à importância da política, à necessidade de participação dos cidadãos na governação, lembrando que os seres humanos não são números, mas sim pessoas concretas.

É preciso, lá como aqui, governos que cumpram estes valores e compromissos. Só o farão se se identificarem com eles e forem pressionados pelos povos.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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