Numa democracia liberal a funcionar normalmente, a questão do sujeito político não se põe pois a sociedade politicamente organizada em partidos gera os sujeitos necessários à condução da vida colectiva. A democracia portuguesa não está a funcionar normalmente, como de resto acontece nos outros países da Europa do Sul. A razão é conhecida: é uma democracia tutelada por uma força estrangeira que não responde democraticamente perante os portugueses. O governo é uma delegação de uma agência internacional de negócios. Daqui decorrem os outros sinais de anormalidade. Entre os milhares de cidadãos que se manifestam na rua capta-se um evidente sentimento anti-partidos que abranje todo o espectro político. Esse clamor desliza por vezes para a anti-política onde germinam todos os extremismos. Mas a criatividade da crise portuguesa é tão grande que a direita no poder gerou a sua própria indignação contra o poder. Figuras gradas do PSD e do CDS manifestam-se com uma violência tão grande que o cidadão distraído nem se apercebe de que elas cozinharam ao longo de décadas a mediocridade política que está no poder. Temos dois movimentos de indignados, os que só têm a rua para se indignar e os que têm ao seu dispor os jornais, as rádios e as televisões para o fazer.
De tudo resulta que os partidos no poder são um sujeito político ausente, ao mesmo tempo que não parece haver um sujeito alternativo, já que o PS, depois de ter assinado o memorandum e as parcerias público-privadas, só poderá ser oposição se começar por se opor a si mesmo. A expressão da ausência de sujeitos políticos à direita e ao centro está na proposta de um governo de unidade nacional que gira a crise até que a Europa a resolva. Esperar pela Europa é o mesmo que esperar por Godot. Se nada fizermos pela nova Europa (o que implica desobediência organizada ao memorandum e a toda a política e economia que ele pressupõe), a velha Europa nada fará por nós. Daí a minha convicção de que estamos à procura de novos sujeitos políticos. Não penso haver condições para a emergência de um sujeito político de extrema direita. O cenário mais credível tem duas dimensões. A primeira é a constituição de um novo sujeito político que capte a energia de muitos milhares de cidadãos dispostos a soltar-se das suas lealdades partidárias para encontrar uma solução para o país a partir de alternativas concretas. Não se trata de criar um partido novo.Trata-se de criar uma frente eleitoral e política através de um acto de refundação de dois partidos, o PS e o BE. O PS convoca um congresso extraordinário, desvincula-se do memorandum e dos contratos das parcerias leoninas e elege um líder para a borrasca (o actual é o líder da bonança feita de bonança). O BE, também em congresso, liberta-se de toda a ideologia de vanguarda. Elege um líder de retaguarda, que põe o BE a caminhar com a sociedade excluída e sobretudo com a que caminha mais devagar. Assim refundados, estes dois partidos podem gerar um novo sujeito político de alta intensidade democrática.
A segunda dimensão consiste na convocação, que desde já sugiro, de um Foro Social do Sul da Europa, a realizar no próximo ano. Complementa e expande o imenso potencial revelado pelo Congresso Democrático das Alternativas. Por um lado, é europeu e não apenas português; por outro, é convocado por movimentos e organizações sociais, e não apenas por cidadãos. Este Foro discutirá os caminhos para a Europa a partir da premissa da sua profunda democratização. Poderá gerar a energia que leve a UE a merecer o Prémio Nobel da Paz, por enquanto uma piada de gosto duvidoso. Será convocado por velhos e novos movimentos, pelos indignados, sindicatos, estudantes, desempregados, imigrantes, movimentos feministas, anti-racistas, ecologistas, de gays e lésbicas, etc. Os sindicatos sentir-se-ão então revigorados e acompanhados, mais capazes de conviver com a diversidade sem a procurar suprimir sob uma avalanche de bandeiras vermelhas e de discursos longos e maçudos dos seus líderes.