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22-08-2012        Público    [ pág 45 ]

Debate Qualidade da democracia

Como se sabe, as instituições democráticas e os partidos confrontam-se hoje com níveis baixíssimos de credibilidade junto do eleitorado. Será que as direções partidárias percebem mesmo o perigo que tal tendência representa para a democracia? Irão os partidos — e falo sobretudo dos partidos de poder, PSD/CDS e PS — começar finalmente a dar sinais de saberem interpretar um fenómeno reiterado por sucessivos estudos? Vale a pena lembrar, por exemplo, os dados do Barómetro sobre a Qualidade da Democracia em Portugal, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde se mostrou que 78% dos cidadãos partilham a opinião de que “os políticos apenas se preocupam com os seus interesses” e, à pergunta “quem dá voz às preocupações dos portugueses?”, apenas 10% responderam “os partidos políticos” (cf. estudo coordenado por António Costa Pinto e outros, cujos resultados foram divulgados no jornal PÚBLICO em 19/01/2012). Não deveria isto fazer soar o alarme nas cúpulas dos partidos?

As próximas eleições autárquicas, dada a maior proximidade do poder local às comunidades e aos cidadãos, poderiam constituir o primeiro impulso no sentido de uma viragem radical a esse respeito. A democracia precisa de uma reinvenção do modus operandi dos partidos que os obrigue a libertarem-se das amarras do aparelhismo e a enfrentar o desafio da renovação abrindo-se mais à sociedade. O momento de crise e de austeridade com que hoje nos debatemos, com o agravamento geral dos problemas sociais — o desemprego, a pobreza, a falta de perspetivas para a juventude qualificada e a premente necessidade de novos projetos de desenvolvimento local — oferece-nos razões de sobra para o arranque de iniciativas inovadoras e ousadas face à urgência das necessidades das populações, em especial dos seus segmentos mais vulneráveis, exigindo uma maior dinâmica na escala local.

É na base local que a democracia participativa assume melhores condições de se realizar e ela é, sem dúvida, um tónico necessário para a reabilitação da democracia representativa, hoje tão fragilizada. Muitas experiências de governança como os Orçamentos Participativos, os referendos locais e os inúmeros projetos de gestão compartilhada e em rede vêm frutificando a nível internacional — desde iniciativas empresariais inovadoras, programas de empreendedorismo social, requalificação do património urbano e industrial, apostas na criação cultural,  etc. —, envolvendo municípios, empresas e associações nas mais diversas áreas,  têm alcançado resultados fantásticos, quer no desenvolvimento económico local e na criação de emprego, quer na consolidação da cultura democrática e da cidadania ativa, quer ainda na projeção das cidades para o exterior.

É tempo de as direções dos partidos e os seus órgãos distritais irem ao encontro dos anseios dos eleitores e romperem com os carreirismos cegos e as ambições pessoais de alguns dirigentes. Há sinais positivos. O anúncio recente da estrutura distrital do PS-Porto de criação de uma Plataforma de Cidadania visando uma aproximação às estruturas mais dinâmicas da sociedade civil (às universidades, centros de investigação, aos atores da cultura e do património, etc.) pode ser um exemplo a seguir. Há mil maneiras de renovar a política e dar credibilidade às candidaturas, bem mais eficazes do que as chamadas “primárias”. Sobretudo se estas forem apenas pretextos para iludir o pagode e fazer legitimar o candidato previamente negociado com os interesses e poderes sabe-se lá ao serviço de quem. Há exemplos excelentes de boa gestão autárquica,  mas a obsessão pela realização de “obra”, a aposta no betão, na rede viária, etc., é um paradigma hoje ultrapassado (e seria bom que isso ajudasse a travar a força da especulação imobiliária junto dos municípios).

O novo paradigma de desenvolvimento local enfrenta outros desafios e requer lideranças com outra capacidade estratégica e sentido empreendedor, que deem prioridade à cogovernação e à transparência em detrimento do caciquismo prepotente, fundado no tráfico de favores e no “neofeudalismo”. Os movimentos e candidaturas independentes às eleições autárquicas têm vindo a crescer no nosso país. Mas, significará isso, por si só, uma maior consciencialização cívica e política dos cidadãos ou esses ditos movimentos limitam-se, na maioria dos casos, a reproduzir de forma encapotada os mesmos vícios partidários? Perante isto, as respostas adequadas só poderão ocorrer se: (1) os partidos derem mostras de mais abertura à sociedade, mais transparência e mais política de alianças (principalmente à esquerda); ou (2) através de movimentos progressistas e associações de cidadãos (com e sem partido) que envolvam as populações na base de projetos inovadores de desenvolvimento local fundados na ética democrática e no sentido de cidadania.


 
 
pessoas
Elísio Estanque



 
temas
democracia    Portugal