As "duplas"; são um dispositivo criativo fantástico. Na música, no humor, até no cinema, permitem integrar sensibilidades complementares ou opostas. Quando resulta, é sempre belo e enigmático ver uma dupla a trabalhar. Por alguma razão, em Portugal não são comuns; não gostamos que o nosso brilho particular seja ofuscado pelo do parceiro. Ficamos sem paciência; preferimos ir a solo.
Os Arquitectos Anónimos são uma dupla, embora gostem de se desdobrar. O Filipe Afonso e o Vasco Magalhães - uso nomes fictícios para não revelar as suas identidades - criaram um atelier que é um dos mais peculiares da "nova geração"; de arquitectos. Detesto a abordagem geracional, usada tantas vezes pelos divulgadores e pelos próprios como desculpa para se autopromoverem. Mas os Anónimos expressam de facto diferenças. Têm poucas obras construídas, e foram já publicados extensivamente, também "lá fora";, em todo o tipo de publicações. Não são esquisitos. Falam da "produção de conteúdos";, o que não existe em arquitectês. Usam uma linguagem empresarial, com referência a companhias e marcas e menos a rufos e beirais. Fazem propostas para lugares específicos, sem encomenda, para ver se pega.
Estas características e o uso do software como o novo esquisso distanciam-nos da prática tradicional da arquitectura, e aproximam-nos dos jovens ou já menos jovens, nerds e geeks entrincheirados nos seus computadores a jogar arquitectura.
A coreografia dos Anónimos é herdeira longínqua do DIY do punk, depois da cultura indie, cruzada com a americanidade dos geeks. Estou a falar inglês porque eles também falam. A arguta designação "Anónimos"; é um comentário à actual sociologia dos arquitectos e não signifi ca a defesa de uma arquitectura anónima. Pelo contrário, os Anónimos não olham a meios expressivos e a outros. São alcoólicos das formas.
O que me faz lembrar os Daft Punk, outros anónimos famosos. Não será fácil reunirem-se com vereadores do Urbanismo usando máscaras de robots. Mas a luta contra o star-system deve continuar…
Não é tudo novidade, é claro. Embora digitais, as imagens dos Anónimos são por vezes referenciadas nas "não-arquitecturas"; radicais dos anos 1960, um historicismo evidente. Em face da ruptura geracional em curso, não deixa de ser irónico. Encontrei-me no atelier deles, na zona oriental do Porto, e gostei de ouvi-los. Arquitectos a tentarem sair do lugar que ocupam; para regressarem, como sempre. Não vou ao ponto de dizer que têm sentido de humor, porque isso parece ser proibido no mundo digital-artístico, mas são modestos e ambiciosos, gentis e assertivos. E reconheci-me neles, no seu modo de falarem com certezas por cima das maiores dúvidas. Num diálogo que se vai intersectando, reflectindo e abrindo, como acontece nas duplas que resultam.